Vamos, primeiro, dar uma espiada no mercado imobiliário. Janice Shattuck, corretora em Nova Jersey, conta uma triste história de oportunidade perdida por causa de raízes.
No começo da meia-idade, o casal vivera durante duas décadas na mesma casa. A hipoteca de vinte anos estava quitada, e o valor da casa, agora, era deles até o último tostão, livre e desimpedido. Esse capital era o que tinham de maior valor, como acontece com muita gente nos níveis médio de renda. Com os filhos criados e já tocando suas próprias vidas, as despesas menores, o casal se achava em condições de pôr esse capital a trabalhar em alguma especulação. Com sorte, poderiam chegar ricos à velhice.
Amiga do casal, Janice Shattuck disse-lhes que talvez fosse uma boa idéia vender a casa. A rua deles começava a dar sinais de decadência. Por esta ou aquela razão, vários imóveis mostravam-se mal conservados. Dois dos proprietários da rua não residiam em suas casas, alugavam-nas para repúblicas de estudantes de uma universidade próxima - o que, convenhamos, não chega a ser nenhuma garantia de manutenção do imóvel. A rua começava a exibir um ar decadente e cansado.
A Sra. Shattuck chegou a dizer aos seus amigos que talvez tivesse um comprador para a casa. Um dos proprietários locadores vinha pensando em ampliar o seu império, e andava de olho na propriedade do casal havia muito tempo. Era uma construção grande, com vários quartos, facilmente adaptável para uma república de estudantes. A corretora acreditava que faria uma boa oferta. Fez força para que os amigos aceitassem enquanto era tempo.
O casal, porém, não conseguia decidir-se a vender. Suas raízes eram ali, explicavam. Ali haviam criado a família. O velho casarão guardava muitas recordações. Não conseguiam se acostumar com a idéia de um bando de estudantes morando nele. Além disso, alguns dos vizinhos mais antigos faziam pressão para que não vendessem. Permitir que mais uma casa fosse transformada em república, ir embora e deixar todos os problemas com os que ficassem parecia desleal, uma coisa de maus vizinhos, que nunca haviam sido.
Assim, os amigos da Sra. Shattuck acabaram ficando. O bairro continuou a declinar. Outras casas foram vendidas a gente menos cuidadosa - inclusive casas de pessoas que antes faziam discursos sobre lealdade.
Finalmente, os amigos da Sra. Shattuck resolveram colocar a casa à venda. Até hoje não encontraram comprador. Quando encontrarem, o preço será drasticamente inferior ao que teriam obtido quando ela quis que vendessem. Quanto mais tiverem de esperar, menos conseguirão pelo imóvel.
Há momentos em que se tem de escolher entre raízes e dinheiro. Se o seu objetivo é ganhar dinheiro - provável razão pela qual analisa especulações -, é erro deixar-se prender demais a coisas materiais nas quais o seu capital esteja investido. Prenda-se a pessoas, mas não a casas nem a bairros.
Tampouco a empresas. Nunca se sabe quando é a hora de pular fora de uma posição em ações. Mas não serão raízes que haverão de impedi-lo.
Frank Henry conheceu um sujeito que era mecânico-chefe de uma pequena indústria. Ao longo dos anos, acumulara uma boa quantidade de ações ordinárias e preferenciais da empresa. Houvera tempo em que a empresa prosperara, e suas ações tinham estado altas. Não durara muito, porém. Estava agora em sérias dificuldades devido a mudanças no mercado, especialmente em razão da chegada de alguns impiedosos competidores japoneses.
Os dados gerais do problema eram de conhecimento público, e o valor das ações caía a olhos vistos. O mecânico, porém, achava que os problemas eram ainda maiores do que se pensava. Comparando os produtos da sua empresa com os dos concorrentes japoneses, encontrou substancial diferença de qualidade. Os produtos japoneses, apesar de mais baratos, eram superiores. O nosso mecânico não via jeito de superar o duplo problema que a sua firma enfrentava. Estava convencido de que, cedo ou tarde, a concorrência a mataria.
Deveria ter vendido suas ações, mas as raízes o impediram. Cultivava uma confusão de sentimentos em relação à companhiazinha. Esses sentimentos eram acentuados, mais ainda, por discursos do presidente e do principal executivo, na linha de ‘’só os ratos abandonam o navio’’.
Ambos eram grandes acionistas. O presidente, otimista incurável, proclamava alto e bom som que continuava comprando ações para a sua carteira pessoal. Achava importante fazê-lo. Uma vez que os regulamentos da Comissão de Valores Mobiliários e da Bolsa de Valores obrigavam-no a tornar público o volume da sua participação acionária, logo se saberia se ele saísse vendendo. Teria sido má publicidade. Na cabeça dele, seria capaz de gerar publicidade a favor fazendo exatamente o oposto. Ao comprar mais ações, achava, demonstrava sua confiança na viabilidade e no futuro da empresa. Demonstrava lealdade.
O nosso mecânico duvidava que o gesto do presidente exercesse qualquer efeito significativo. Numa descida permanente, os preços das ações ordinárias e preferenciais iam passando uns pelos outros, aos saltos. O moral dos empregados e dos acionistas estava lá embaixo, e continuava caindo. Hora de dar o fora. O mecânico, porém, não conseguia mover-se, e uma das razões era o gesto de lealdade do presidente.
Se um investidor é vendedor líquido de um papel, e outro é comprador líquido, um está, realmente, comprando do outro. As transações, naturalmente, são realizadas através de corretoras, de especialistas no pregão; o efeito de colocar comprador diante de vendedor, porém, é como se fosse uma transação na qual os dois se encontrassem cara a cara. O mecânico, portanto, tinha a desconfortável sensação de que, se colocasse suas ações à venda, elas seriam adquiridas pelo seu presidente.
O mecânico acabaria totalmente vendido, enquanto o presidente seguraria uma gorda carteira de ações que poderiam, breve, não valer nada. De algum modo, não parecia direito.
E foi assim que o nosso mecânico segurou os seus papéis. Com o tempo, ele e o presidente acabaram com carteiras que não valiam nada.
Muitos anos depois, Frank Henry envolveu-se num negócio completamente diferente, que o colocou brevemente em contato com o ex-presidente, agora proprietário de uma próspera cadeia de lojas. Parecia rico e contente. Contava vantagens sobre alguns sucessos recentes no mercado. Ganhara algum dinheiro vendendo a descoberto, num mercado em queda. Era óbvio que conhecia as técnicas de vender a descoberto, tipo de negócio no qual você vende um papel antes de possuí-lo, na esperança de que o preço cairá. Se realmente cair, você completa a operação adquirindo a ação por menos dinheiro do que recebeu antecipadamente.
Enquanto o ex-presidente falava a respeito, um pensamentozinho maldoso começou a germinar na cabeça de Frank Henry: será que o homem havia sido, realmente, otimista a respeito da sua empresa, como dava a entender? Talvez, pensou Frank Henry, ele mantivesse contas em duas corretoras, como é o caso de muitos grandes investidores: uma publicamente conhecida; a outra secreta. Enquanto, através da primeira, às claras e orgulhosamente, ele comprava o papel, através da segunda ia vendendo a descoberto.
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