Quando eu era jovem, um pastor protestante costumava jantar lá em casa de vez em quando. Ele e Frank Henry conheciam-se de meninos, da cidadezinha de Wadenswil, na margem do sul do lago Zurique. Ele emigrara ainda jovem para a América, e agora era o pastor de uma igrejinha em algum canto de Nova Jersey.
Certa noite, ele transbordava de entusiasmo. Contou que o Senhor dera uma grande oportunidade à sua igreja. Um membro do seu rebanho, homem já idoso, estava se mudando para um clima mais ameno. Por uma razão qualquer, a mudança tinha de ser rápida, e o homem queria um desligamento total, sem deixar qualquer vínculo.
Entre o que ele tinha e não queria que ficasse para trás, estava uma área de cerca de 50.000 metros quadrados de terra nua, nos limites da cidade. Comprara a terra como investimento, havia muitos anos, e nunca fizera nada ali.
Queria vendê-la antes de mudar-se. Como presente de despedida para a igreja, oferecia-a pelo mesmo preço que comprara.
O pastor estava animadíssimo. A sua paróquia jamais tivera muito dinheiro, e ali se apresentava a oportunidade de ganhar uma fortuna da noite para o dia. Por toda a cidade, os preços dos terrenos andavam em disparada, e o local onde ficava a tal propriedade era considerado ótimo para residências. A igreja poderia revender a área imediatamente, e ter um bom lucro, ou abrir uma ou duas estradinhas nela, dividi-la em lotes de uns 2.000 metros quadrados e aguardar um pouco, lucrando muito mais. Finalmente, exultava o pastor, a paróquia teria dinheiro para todas as boas obras que precisavam ser realizadas!
Frank Henry disse que ficava muito feliz com a boa nova, e sugeriu que talvez fosse um pouco bom demais para ser verdade. Na sua experiência, disse ele, os negócios da China, com lucro 100% certo, em geral acabavam em arapucas. Especuladores amadores viviam caindo nelas e depois se arrastando para fora, bolsos vazios.
O pastor não lhe deu ouvidos. Era um presente de Deus. Às vezes o Senhor pune, às vezes Ele nos recompensa, Não nos cabe fazer perguntas demais; a nós cabe aceitar o que nos é dado. O pastor não tinha a menor preocupação.
Muito tempo depois, Frank Henry e eu ouvimos o final da história. Pressionada pelo pastor, a congregação votou a favor da compra da terra, e criou uma comissão para estudar o que fazer com ela. A decisão foi dividir a área em lotes. O presidente da comissão e o pastor foram à Prefeitura em busca das licenças necessárias, e o inspetor de obras deu-lhes a má notícia.
Aquele pedaço de terra, disse ele, tinha algumas características problemáticas. Superficialmente, parecia perfeitamente seco; alguns palmos abaixo, porém, era pântano puro. Nenhum sistema de drenagem que se construísse ali funcionaria. Ao longo do tempo, mais de um proprietário já pretendera desenvolver a área, mas a Prefeitura sempre recusara a menos que se fizesse ali um fantástico investimento em obras de saneamento e drenagem. Por isto é que a terra ficara sempre assim, nua.
A igreja caíra num conto-do-vigário. Moral da história, segundo Frank Henry: não se fica rico rezando. Na realidade, se a sua mente se achar ocupada com dinheiro enquanto você estiver rezando, o mais provável é empobrecer com as rezas. Se depende de Deus, ou de qualquer outra força ou entidade sobrenatural, para alcançar a fortuna, há grandes probabilidades de que, um dia, você abaixe a guarda e perca tudo.
"Meu Reino não é deste mundo"
"A recompensa pelo bem que fizestes virá após a morte"
Se Deus existe - questão sobre a qual os Axiomas não têm opinião -, não existe nada que prove que o ser supremo esteja se importando se você morre rico ou pobre. Várias vezes, na verdade, a Bíblia diz que, do ponto de vista da manutenção de uma alma sadiamente cristã ou judaica, ser pobre é até melhor. Muitas religiões orientais dizem a mesma coisa. (E certa vez Abraham Lincoln observou que Deus devia gostar muito dos pobres, já que tinha feito tantos deles.) Isto posto, no que se refere aos Axiomas, não faz a menor diferença se você é devotamente religioso, ateu, ou mais ou menos. Sejam quais forem suas crenças, Deus e outras forças sobrenaturais não devem ter nenhum papel a desempenhar no seu comportamento como especulador.
Apoiar-se no sobrenatural tem o mesmo efeito que apoiar-se em previsões ou em ilusões de ordem. Tem a capacidade de atraí-lo para um estado perigosamente despreocupado. Padres, pastores e rabinos vivem dizendo às pessoas que não devem rezar pedindo dinheiro, mas muita gente reza. Se não forem pedidos diretos em favor de uma solução financeira qualquer, muita gente piedosa acredita ser beneficiária de alguma apólice celestial de seguro: ‘’Deus me ajudará.’’
Não conte com isto. Deus é capaz de fazer muito por você, mas uma coisa que não preocupa a Ele é o seu saldo no banco. Isto é problema seu. Só seu. Jesse Livermore, com quem travamos conhecimento quando estudamos outro Axioma, não se apoiava em Deus, mas em outra espécie de ajuda extraterrena. Isto pode ter contribuído pesadamente para a queda final desse homem tão complicado. Vale a pena examinarmos a sua história.
Nascido pobre, numa fazenda em Massachusetts, logo no começo da vida Livermore resolveu que gostaria de ser rico. Em 1893, foi para Boston e arranjou emprego numa corretora. Os sistemas eletrônicos ainda não haviam sido inventados; ágeis rapazes subiam e desciam escadas velozmente, anotando a giz, num gigantesco quadro negro, as variações nos preços das ações. O primeiro emprego de Livermore foi este. Ao amadurecer na tarefa, ele desenvolveu o que, aos seus amigos, parecia uma extraordinária capacidade de adivinhar para que lado os preços se voltariam.
Certamente, essa capacidade era uma combinação de intuição e sorte, mas começaram os rumores de clarividência e força ocultas. Livermore jamais aceitou estas explicações para o seu sucesso como especulador, mas tampouco as rejeitou totalmente. Passou a vida toda se perguntando se não seria verdade. Frank Henry, pessoalmente, sempre achou que Livermore se teria saído muito melhor se nunca tivesse ouvido falar nessas coisas místicas.
Jesse Livermore
Passados alguns meses anotando cotações no quadro-negro, o rapaz começou a aplicar dinheiro nas suas previsões. O meio especulativo que ele escolheu era uma espécie de casa de apostas, comum em Boston e outras cidades. Essas casas estimulavam a jogatina na Bolsa de Valores, das formas mais exageradas e bizarras. Você não era obrigado a comprar propriamente ações. Fazia vários tipos de apostas nas oscilações das cotações. Jogo mesmo, no duro. As probabilidades eram sempre a favor da casa. Para lucrar, o especulador precisava, além de muita sorte e bons palpites, ter um firme comando sobre outros talentos que vimos estudando: quando cortar prejuízos, como estabelecer posições de saída etc.
Jesse Livermore descobriu que tinha esses talentos em grande abundância. Nascera para especular. Começando com um capitalzinho mínimo, níqueis economizados do seu pobre salário, logo havia acumulado cerca de 2.500 dólares, soma enorme para um jovem naquele tempo. Tornou-se tão competente que as casas de apostas, uma após outra, pediram que fosse jogar em outra freguesia.
Foi parar em Wall Street - no primeiro time. Sem perda de tempo, Livermore estabeleceu-se como um dos mais espertos especuladores que apareceram ali. Ficou famoso antes dos 30 anos.
Cabelos louros esvoaçantes e gélidos olhos azuis, aonde quer que fosse, Jesse atraía mulheres e repórteres. Casou-se três vezes, e mantinha amantes em apartamentos e hotéis por toda a América e Europa. Quando viajava, atrás ia um bando de puxa-sacos e sicofantas. Mal conseguia dar um passo em Nova York sem ter de parar para distribuir palpites sobre o mercado. Era fotogênico e dava boas entrevistas; na aparência e nas palavras era um homem de inabalável confiança. Por dentro, porém, vivia perseguido pela história da clarividência.
Não sabia se era ou não clarividência. Inúmeros artigos em jornais e revistas diziam que sim, e todos os seus puxa-sacos concordavam entusiasmados. Às vezes, Livermore pensava que podia ser; às vezes, achava que era tudo bobagem.
Caderno de Anotação de Jesse Livermore
O que ele tinha, mesmo, eram alguns espantosos golpes de sorte, que acabavam dando apoio à idéia de que ele enxergava o futuro. Certo dia, em 1906, entrou numa corretora e disse que queria vender Union Pacific a descoberto. O corretor ficou perplexo. Vender Union Pacific a descoberto? Era a maior besteira do mundo. O mercado estava em alta. Union Pacific era um dos papéis mais quentes que havia. Longe de vender a descoberto, a grande maioria dos especuladores estava era gulosamente comprando e dando certa garantia. Livermore, porém, insistiu na operação. A única explicação era que tinha um palpite de que a cotação estava alta demais, e que vinha vindo uma ‘’correção’’. No dia seguinte, tornou a aparecer na corretora e mandou vender a descoberto mais um monte de ações do gigante ferroviário.
Um dia depois, 18 de abril de 1906, São Francisco foi devastada por um terremoto. Sob os escombros, desapareceram milhões de dólares em trilhos e outras propriedades da Union Pacific, além de outros incontáveis milhões em lucros potenciais. A cotação do papel caiu feito uma pedra. Jesse Livermore saiu do episódio uns 300.000 dólares mais rico.
Eventos aparentemente inexplicáveis como este acabam acontecendo com todo mundo que especula tempo bastante. Todos que vivem de assumir riscos têm histórias semelhantes para contar. É quase certo que algo assim aconteça com você. Não provam coisa alguma, a não ser que os acasos acontecem às cegas, machucando alguns, enriquecendo outros, sem perguntar quem é quem. Sem sombra de dúvida, Jesse Livermore não foi o único a vender Union Pacific a descoberto naquele momento, nem a beneficiar-se, de um jeito ou de outro, da catástrofe de São Francisco. É improvável que muitos dos outros acreditassem possuir poderes mágicos de prever o futuro.
Devem ter-se dado conta, apenas, da sorte que tiveram. A mesma coisa com Livermore: sorte, mais nada. Mas o rótulo de ‘’clarividente’’ já aparecia na sua testa, e o episódio da Union Pacific só fez colá-lo mais forte.
Houve momentos na sua vida em que, realmente, tentou acabar com isto. Geralmente acontecia quando a sua sorte, ou ‘’clarividência’’, o abandonava, o que, mais cedo ou mais tarde, a sorte sempre acaba por fazer.
Quando estava quebrado, ou quase, parecia dar-se conta de que vinha dependendo demais da sua suposta capacidade de prever o futuro, e aí tratava de convencer-se, e aos outros, de que ele era melhor especulador que clarividente.
A última vez que isto aconteceu foi em 1940. Livermore quebrara em 1934, juntara uma nova fortuna e agora estava a caminho de perdê-la de novo. Numa aparente tentativa de provar que especulava usando um sistema racional, e não mágico, ele escreveu um curioso livrinho, publicado em 1940, chamado How to Trade in Stocks - the Livermore Formula for Combining Time Element and Price (‘’Como Operar com Ações - a Fórmula Livermore de Combinar e Elemento Tempo e Preço’’).
O livro merecia os aplausos do professor Irving Fisher, o tal que entrara pelo cano, em 1929, achando que enxergava padrões de comportamento na Bolsa de Valores. Livermore escreveu um hino aos padrões. Era cheio de gráficos e de referências a ‘’Pontos Altos’’, ‘’Reações Secundárias’’, e outras coisas do gênero.
Uma perfeita tolice. Qualquer um que tentasse operar no mercado seguindo as suas instruções acabaria na maior confusão e, provavelmente, quebrado. A menos que tivesse muita sorte, é claro. O livrinho não provava nada, a não ser o enorme desejo de Livermore, a essa altura da vida, de ficar o mais longe possível da história da clarividência.
Talvez tentasse, no fim da vida, inventar um sistema especulativo que combinasse gráficos com clarividência. Era capaz de funcionar ainda pior do que quando se baseava num de cada vez. Uma tarde, em dezembro de 1940, Jesse Livermore apareceu no Hotel Sherry-Netherland, em Nova York, tomou dois oldfashioneds, entrou no banheiro e se matou com um tiro.
Naturalmente, nunca é possível saber-se, exatamente, por que alguém resolveu acabar com a própria vida. Mesmo que tenha deixado um bilhete - não foi o caso de Livermore -, as pessoas ficam se perguntando quais foram as razões verdadeiras e o que são apenas explicações fáceis. Jesse Lauriston Livermore foi um homem complicado, de vida complicada, e é possível que o seu suicídio tenha sido motivado por problemas sobre os quais nada sabemos.
- Havia vinte Livermores diferentes - diria Frank Henry, com tristeza. - Só conheci um deles. Ainda assim, realmente parece que dificuldades nos negócios faziam parte da carga sob a qual ele cedeu. A grande obsessão da sua vida foram as especulações. No momento em que ele tomava o seu segundo oldfashioned no bar do Sherry-Netherland, pela quarta vez na vida as finanças de Livermore estavam em grande confusão. Pela quarta vez na vida ele se via confrontado com uma penosa verdade: o seu método especulativo era falível. Sua vidência não era, nem de longe, clara como ele teria gostado. Se se baseava nos seus supostos dons proféticos, estes não tinham funcionado.
Nada disto significa que você corre o risco de um fim trágico como o de Jesse Livermore. A história dele é apenas uma bizarra ilustração de como crenças ocultas podem perturbar um sólido raciocínio especulativo. Apoiar-se nessas crenças pode não representar risco para a sua saúde; para a do seu dinheiro, com toda certeza.
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