Tem aquela velha piada do camarada que ficava todos os dias na mesma esquina, acenando os braços e emitindo gritos estranhíssimos. Um dia um guarda vai lá e pergunta do que se trata:
- Estou mantendo as girafas longe - diz o sujeito.
- Mas nunca apareceram girafas por aqui - retruca o guarda.
- Pois é, tenho trabalhado bem, não tenho?
É uma característica das mentes até mais racionais perceberem relações de causa e efeito onde não existem. Quando necessário, nós as inventamos. A mente humana é um órgão em busca de ordem. Não se sente à vontade no caos, e, se for a única maneira de se satisfazer, é capaz de refugiar-se num mundo de fantasias. Então, quando ocorrem dois ou mais eventos perto uns dos outros, vamos logo descobrindo elos causais entre eles. Isso nos deixa mais confortáveis.
Somos também capazes de ficar mais vulneráveis, mas sobre isto geralmente não pensamos, até ser tarde demais.
Vou dar um exemplo meu. Há muitos anos, antes de Frank Henry e eu termos conversado exaustivamente sobre os Axiomas de Zurique, ganhei um dinheirinho pulando pra lá e pra cá entre IBM e Honeywell. Por esse tempo, a Honeywell estava totalmente envolvida com computadores de grande porte e concorria diretamente com a IBM, muito mais que hoje. Ao longo de um período de uns 18 meses, percebi que, freqüentemente, as cotações dos dois papéis andavam em sentidos opostos. Quando a Honeywell passava algumas semanas subindo, a IBM caía, e vice-versa. Separei um dinheirinho e fiz o que achei ser esperto: ficar um tempo com Honeywell, na subida pular fora, comprar IBM lá embaixo, subir com ela... a assim por diante.
Funcionou razoavelmente algumas vezes. Eu deveria ter-me dado conta de que estava funcionando apenas por questão de sorte, mas nesse tempo eu ainda não sabia das coisas. Achei que funcionava porque... porque... bem, acabei estabelecendo uma relação causal a fim de explicar o fenômeno que vinha observando.
Criei a teoria de que havia um bando de grandes investidores - fundos mútuos, seguradoras e milionários - que periodicamente trocavam de posição entre IBM e Honeywell. Quando a Honeywell anunciava algum produto novo a atraente, ou qualquer outra coisa boa, todos esses hipotéticos grandes investidores vendiam suas posições em IBM e desandavam a comprar Honeywell, e vice-versa. A ser verdadeira, essa hipótese inventada explicaria os movimentos opostos dos dois papéis.
Era verdadeira? Quase com toda certeza, não. A verdade, sem dúvida, era que esses movimentos aparentemente ordenados eram provocados por coincidências devidas a pura sorte, por acontecimentos casuais e imprevisíveis. O fato de, no passado, os preços terem andado algumas vezes em sentidos opostos não indicava, nem podia ser tomado como indício de que se repetiria no futuro. A relação causal que eu inventara, porém, fez com que aquele minueto todo parecesse mais ordenado do que realmente era, e eu, confiante, apostei dinheiro demais na minha suposição.
Comprei um pacote de Honeywell a um preço que me pareceu o fundo do poço. Ato contínuo, tanto Honeywell como IBM entraram em parafuso, como um par de patos baleados. Antes de me dar conta do que estava acontecendo e de abandonar minhas ilusões de ordem, eu já tinha perdido cerca de 25% do meu investimento.
A menos que você realmente veja uma causa operando - e estou falando de ver mesmo -, considere todas as relações causais com o maior dos ceticismos. Quando perceber eventos ocorrendo juntos, ou em gangorra, a menos que tenha sólidas provas em contrário, presuma que a proximidade se deve ao acaso, mais nada. Tenha sempre em mente que está tratando com o caos, e conduza os seus negócios a partir daí. Como diz o 5º Grande Axioma: até começar a parecer ordem, o caos não é perigoso.
Porque tanta gente no mundo financeiro procura, desesperadamente, padrões de ordem, Wall Street não pára de passar idéias sobre possíveis ligações causais entre isto e aquilo. Algumas dessas ligações podem parecer plausíveis a muitos, outras só a uns poucos. Todas, porém, têm uma espécie de atração para a mente humana, esse órgão que ama a ordem, e todas, provavelmente, significaram problemas para alguém.
Por exemplo, um conjunto dessas ligações - de que alguns acham graça mas que muitos levam a sério - tem a ver com um fenômeno conhecido como Síndrome do Primeiro Ano Republicano. Desde as primeiras décadas deste século, no primeiro ano de um presidente republicano o mercado tem caído - valendo isto para o primeiro ou segundo mandato. Aconteceu uma vez com Herbert Hoover, duas com Eisenhower, duas com Nixon, e, no momento em que escrevemos, com Reagan já aconteceu uma vez. Aconteceu até nos primeiros doze meses do irregular mandato de três anos de Gerald Ford.
A primeira pergunta é: por quê? E a segunda é: o que deve um investidor fazer a respeito, se é que deve fazer alguma coisa?
A resposta mais provável à primeira pergunta é que o fenômeno é provocado por acasos que nada têm a ver com o partido do presidente recém-empossado. Correlacionar acasos com movimentos do mercado é o que de mais comum existe, e aqui não se trata de outra coisa. É parecido com o índice do Jogo Final - um fato peculiar freqüentemente registrado em Wall Street: o mercado sempre sobe quando a finalíssima do campeonato de futebol, em janeiro, é ganha por uma equipe que tem sua origem na Liga Nacional de Futebol. É divertidíssimo bater papo sobre o Indício do Jogo Final, mas ninguém pode levar a sério que exista uma relação causal entre um jogo de futebol e a Bolsa de Valores. As correlações simplesmente acontecem, mais nada. O que se dá com a Síndrome do Primeiro Ano Republicano não é senão isso.
Quanto à segunda questão - o que fazer a propósito da síndrome -, a resposta correta é: nada.
Há investidores, contudo, que insistem em extrair dela alguma espécie de ordem. A teoria deles é que o republicanismo de um presidente causa a queda do mercado no primeiro ano. Causa, como? Para isto, há hipóteses à vontade. Uma delas diz que o Partido Republicano, identificando-se como partido da prosperidade econômica, leva as expectativas financeiras das pessoas a níveis irreais. Quando não enriquecem subitamente, logo no dia da posse, elas têm uma enorme decepção, e é nesse mar de desapontamentos que o mercado se afoga.
Esta é só uma das teorias. Existem outras, mas não vamos perder tempo com elas, que nenhuma merece ser levada a sério. São todas exemplos de como as pessoas criam ligações causais fantásticas, quando querem explicar fenômenos observados. E todas são exemplos de como uma ligação causal, uma vez inventada e estabelecida, é capaz de fazer com que um fenômeno pareça mais ordenado do que realmente é.
O que, conforme já vimos, pode ser perigoso. Se acreditar que o republicanismo de um presidente causa o desabamento do mercado, você então percebe toda uma série de eventos ordenados, e é capaz de sentir-se obrigado a algum tipo de ação. Como o professor Fisher, começa a enxergar padrões onde eles não existem.
É possível que, no futuro, a Síndrome do Primeiro Ano Republicano venha a funcionar de novo, e é possível que não venha. Começou por acaso, um dia, e acabará também por acaso. Não dá para prever uma coisa nem outra. Na realidade, trata-se apenas de mais um aspecto do caos.
Evite imaginar causas quando não pode, realmente, observá-las em funcionamento. Estará evitando muito sofrimento. Divirta-se na finalíssima do campeonato de futebol; se ganhar o time errado, procure um bar, não uma corretora.
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