domingo, 27 de setembro de 2015

POR QUE NEM TODO MUNDO É VALUE ? - TEXTO DE ÁLVARO VARGAS










“Por que nem todo mundo investe dessa forma?” Esta é uma das primeiras perguntas que surge quando alguém explica as idéias centrais da Escola de Valor e os resultados obtidos por seus praticantes.

Há algo na natureza humana que resiste em aceitar a idéia de investir naquilo que está menos valorizado. Se fosse diferente, os investidores value teriam deixado de existir há muito tempo, já que a discrepância entre preço e valor não aconteceria com tanta frequência, pois, como passaram décadas oferecendo seus ensinamentos para quem quisesse adaptá-los, se a maioria dos investidores tivesse dado atenção, os erros de investimento teriam sido reduzidos significativamente.  Se após tanto tempo, e apesar de muitos investidores terem adotado esta filosofia, a maior parte do dinheiro que se investe segue uma linha diferente, é inegável a necessidade de uma disposição especial para investir de acordo com a Escola de Valor.




O comportamento autodestrutivo dos investidores tem muitas causas, entre elas se deixar guiar pelo medo ou pela ambição, apostar em setores da moda com grande desempenho em curto prazo e não se manter fiel a um plano financeiro. Mas, além do já mencionado, destaca-se também a tendência de tentar adivinhar o movimento da bolsa em curto prazo e o instinto de rebanho. A idéia de que se algo está em alta continuará subindo e se algo está em queda continuará caindo combina ambos os aspectos: implica um reflexo condicionado que leva o investidor a acreditar que o comportamento do passado recente se repetirá, mas também uma incapacidade para pensar por conta própria ou ao menos questionar a conduta dominante no mercado em um determinado momento.


Philip Carret

Philip Carret, famoso investidor, escreveu: “As tendências do mercado financeiro refletem o comportamento de compra e venda de inúmeras pessoas. Por sua vez, essas negociações refletem, consciente ou inconscientemente, um aspecto do estado emocional que envolve essas transações. Em alguns momentos, suas esperanças e, em outros, seus temores afetam os preços de um modo mais decisivo que a produção de aço, os carregamentos ou outros fatos do mundo dos negócios”.  E o mesmo Carret explica que ninguém obteve sucesso duradouro nesse campo seguindo conselhos alheios.

Sendo assim, o temperamento é um dos principais fatores que distinguem quem investe ou não de acordo com a Escola de Valor. É necessária uma personalidade pouco comum para não ceder à tentação do prognóstico e atuar de modo diferente do rebanho. Por isso mesmo, também é preciso ter muita paciência, uma qualidade que vai na direção contrária da atitude geral nas finanças. Os que tem sucesso praticando a Escola de Valor costumam ressaltar esta virtude entre todas as outras.

Charlie Munger explica que a “regularidade” para encontrar uma oportunidade é fundamental. Como tal oportunidade pode demorar a chegar, saber esperar é uma vantagem. É muito pior uma transação que te dá 5% ao ano durante uma década do que ficar com o capital no banco ganhando 2% de juros anuais durante cinco anos e, a partir do quinto ano, encontrar um negócio com o qual você passa a lucrar 12% anuais no restante da década.

Quem sabe usar a paciência a seu favor entende, por exemplo o benefício de comprar todo mês um pouco de ações e manter este exercício durante vinte e cinco anos, deixando que os juros compostos façam maravilhas.  Ou sabe que não deve ficar desesperado quando uma ação sobe 50% - digamos de US$ 10 para US$ 15 – e pouco tempo depois volta ao seu preço original, desde que ela valha mais do que custe.

Também sabe que, quando surge uma noticia ruim, não é raro que as ações de todas as empresas do setor afetado entrem em colapso e que isto crie oportunidades, pois entre as afetadas costumam haver boas companhias. Quando em 1993, nos EUA, temia-se a proposta para o setor da Saúde que Hillary Clinton preparava a pedido de seu marido, o reluzente presidente, todo o setor de cuidados com a saúde viu suas ações despencarem. Entre elas, por exemplo, a Johnson & Johnson, que era uma grande companhia e, portanto não demorou em valorizar.




Quem é paciente sabe que os inocentes pagam pelos pecadores e que em situações assim, enquanto os outros se entregam ao pânico, o investidor atento encontrará valores a preço de pechincha. Pensar por conta própria, quando o rebanho se deixa arrastar pelo pastor; manter a serenidade, quando todos parecem perdê-la; discernir o essencial do secundário e o permanente do temporário; esperar pelo que necessita ou se entusiasmar quando os outros se deprimem são virtudes do investidor inteligente que derivam de um temperamento independente, sereno e paciente.

Diante dele ou dela, está a força impressionante da especulação. Como no jiu-jitsu, o investidor inteligente usa a força do adversário em benefício próprio. A força da especulação gera inércia na maioria dos investidores, que, como os sentidos adormecidos, copiam os outros sem pensar muito. O efeito confunde inclusive mentes esclarecidas. Em janeiro de 1973, Alan Greenspan, que anos depois seria presidente do Federal Reserve (FED), prognosticou que aquele ano seria fantástico para a Bolsa. Nunca houve, disse ele, um ano melhor para o mercado de ações. Sabe-se o que aconteceu: no biênio de 1973 e 1974 deu-se a pior queda da Bolsa desde a Grande Depressão.




A especulação desencadeia tal clima de euforia que leva às pessoas a perderem de vista que quando as ações sobem mais do que os lucros das empresas a bolsa se transporta para um mundo irreal. A jornalista Carol Loomis descobriu que de 1960 a 1999 apenas oito das empresas da Fortune 500, ou seja, das quinhentas maiores, puderam aumentar seus ganhos em uma média de 15% ao ano, durante duas décadas. Tal dado mostra que não deveria ser difícil entender que, no momento em que a especulação eleva o preço de uma ação a um nível que pressupõe capacidade para aumentar os lucros acima dos 15% ao ano, a ligação com a realidade foi rompida. Porém, a especulação é qualquer coisa menos uma atitude lógica. Portanto, isto que acabo de afirmar a respeito dos lucros de uma empresa, perde-se facilmente de vista quando o medo, a ambição, a moda ou o medo da solidão capturam os indivíduos.




Quando uma bolsa apresenta tendência de alta – em inglês, conhecida pela metáfora taurina “Bull Market” -, as pessoas deixam de se perguntar: “- quanto lucra essa empresa?”.  O que perguntam é: “- em que nível estará a bolsa amanhã?”. O mercado em alta de 1949 a 1961 levou a crise de 1929 e 1939 a cair no esquecimento e o de 1990 a 2000 encobriu o ocorrido em 1973 e 1974 e em 1987. Menciono os dois períodos de ascensões mais longos do último século, mas a amnésia também se dá em períodos bem mais curtos. Ainda que o desejo de saber o futuro seja tão antigo quanto a humanidade, o mundo das finanças modernas mergulhou na afobação de saber, todos os dias, como a bolsa estará no dia seguinte. No entanto, o sujeito não se importa em saber como estará, dois ou dez anos mais tarde, a empresa cujas ações ele tem comprado.

Os grandes fundos de investimento, quase que por natureza, contribuem com a dinâmica da especulação: têm a desvantagem de só poder comprar pacotes muito grandes de ações porque, dado o volume que manejam, devem investir muito dinheiro para alcançar benefícios. Por sua vez, estes fundos dependem do dinheiro que as pessoas colocam neles. Quando a bolsa sobe, aumenta o dinheiro colocado pelo público e vice-versa.

Sendo assim, os fundos têm gerado interesse em continuar apostando nas bolhas, ou, quando ocorre o efeito contrário, de vender tudo o que têm mesmo que seja de boa qualidade. Como, na maioria das vezes, os gestores destes fundos recebem gratificações por ganhar acima de um índice representativo da Bolsa, para evitar que fiquem em evidência por causa de resultados negativos, costumam comprar as ações incluídas nesse índice, e dessa forma alimentam a bolha existente. Claro que também compram outras ações, para tentar ganhar no índice, mas o fazem apostando no que está em alta e, portanto, investem no que os outros também estão adquirindo.




Por quê? Porque para um gestor é menos grave perder dinheiro fazendo a mesma aposta que a maioria de seus concorrentes do que aderindo a algo diferente.  Assim, se compararmos dois gestores que perderam com seus investimentos, veremos que aquele que perdeu, porque comprou ações da Apple está mais protegido perante seu chefe ou seus clientes – mesmo que tenha comprado por um preço muito alto – que outro que perdeu adquirindo ações de uma companhia discreta, que ninguém ouviu falar, mesmo que as tenha comprado muito baratas.

Ou seja, o sistema alimenta sua própria tendência especulativa. Em vez de ganhar muito comprando uma empresa pouco conhecida ou seguida por uma bagatela de analistas, os gestores de instituições que movem enormes quantias de dinheiro preferem empresas populares, porque se fracassarem a derrota será de todos ou na maioria. No caso dos fundos de pensão, esse “imperativo institucional”, como se chama à inércia especulativa das grandes instituições investidoras, é pior. Os fundos de pensão investem em certas listas aprovadas de antemão para evitar, por exemplo, que dois administradores de um mesmo banco, que manejam carteiras de pensão para duas empresas diferentes, tenham resultados distintos e uma das duas retire dinheiro quando o seu resultado for pior que o do outro.

Muitos gestores de fundos de investimento recebem por volume gerenciado e não por rendimento. Para atrair mais dinheiro da população, devem aderir à linhagem das ações mais populares. Também é conveniente comprar e vender com muita frequência, ao invés de apostar em ações de longo prazo.




Por sua vez, as bolsas, que em parte vivem do número de transações, têm interesse que sejam poucos os que compram algo para guardar durante muito tempo. Os seus analistas que dão conselhos a seus clientes, isto é, aqueles a quem confiamos nossas poupanças, fixam-se nos resultados imediatos das empresas – por exemplo, os lucros do último trimestre – sem se darem ao trabalho de fazer uma análise mais minuciosa. Suas instituições investem na moda porque têm interesse em atrair o máximo de clientes. É exatamente por tais fatos que frequentemente o noticiário anuncia que as ações da arquiconhecida Microsoft estão perto de dois bilhões na bolsa.




Em outras palavras: o sistema é feito para que as pessoas evitem pensar por conta própria. O resultado? 75% dos fundos mútuos nos EUA obtêm resultados piores que os índices da bolsa. Isto tanto hoje quanto no passado: Graham escreveu, nos anos 1970, que os fundos que buscaram ganhar agressivamente do índice principal dos EUA na década anterior, fracassaram.

O primeiro fundo mútuo – como são nomeadas nos Estados Unidos as instituições nas quais milhões de pessoas colocam suas economias para que os especialistas invistam por elas (e tal nomeação pode variar conforme o país) – foi criado na Holanda, em 1822. Depois os Escoceses copiaram.  Nos EUA, o público aderiu a este esquema apenas no final do século 19.

O nome foi mudando (stock trusts, investment companies) até que em 1929 adotou sua forma atual: fundo mútuo. Junto com os fundos de pensão e outros tipos de fundos de investimento, formam um aspecto essencial na bolsa de hoje. Boa parte da especulação financeira produz-se em virtudes das decisões que estes fundos tomam pelas razões já mencionadas.




Se levarmos em conta que os especialistas entulham as telas de televisão com conselhos que quase sempre tornam enigmático o que é simples, fica fácil de entender porque o público tem medo de fazer algo diferente do recomendado (e feito) por essa engrenagem do investimento. Acontece, porém, que os especialistas, frequentemente munidos de títulos de Chartered Financial Analyst (Credenciamento internacional para profissionais do setor de investimentos), não são tão entendidos assim: como fica explícito nos 75% dos fundos mútuos que não superam o mercado. Para cada Peter Lynch, há centenas de gestores medíocres.




Um dos maiores especuladores de todos os tempos, Bernard Baruch, que viveu entre meados dos séculos 19 e 20, explicou bem como funciona a psicologia de massas que está por trás do mundo da especulação: “Sempre achei”, escreveu em sua autobiografia, “que a loucura que, periodicamente, afeta a humanidade reflete um aspecto profundamente enraizado da natureza humana – algo similar à força que motiva a migração de aves...”.

O mesmo Baruch explicou que as flutuações da bolsa não são produzidas pelos acontecimentos em si, mas pelas reações humanas a esses acontecimentos: “A bolsa é igual às pessoas. As pessoas tentando prever o futuro”. Por isso, em momentos de alta, a euforia leva as pessoas a investirem em massa nos fundos mútuos. Ou nas fases de baixa, que é quando há menos riscos de entrar no mercado precisamente porque tudo está barato, as pessoas se retraem em vez de aproveitar para sair comprando o que estiver barato no mercado.

Vários estudos demonstram que a estratégia de comprar ações quando acontece um colapso na bolsa dá resultado melhor do que investir nela durante um período de um a cinco anos. Mas psicologia humana age no sentido contrário.

Quando aconteceu, em 2000, a explosão da bolha “ponto.com”, apenas um em cada quatro investidores queria investir mais em fundos mútuos. A tendência durante as quedas da bolsa é vender e não comprar. Por isso, os momentos de maior liquidez, isto é, de maior venda de ações da carteira para ter cash por parte dos grandes fundos, são também os das grandes quedas: 1970, 1974, 1982, 1987, 1990, 2000, 2008. Essas instituições investidoras programam seus métodos de compra ou venda em função dos altos e baixos, seguindo as diretrizes da psicologia humana.




Os investidores de Wall Street compram quando há uma boa notícia e vendem quando há uma ruim. Se em dois meses a ação não se move, vendem e buscam outra coisa. Já existem programas de computador que medem a velocidade de subida ou descida de uma ação. Se subir rápido, o computador compra. Se cair rápido, ele vende.




Em mercados em alta, o P/L, isto é, o preço da ação em relação aos lucros, passa de um dígito para 20, 30, 40 ou 50 com muita facilidade – trata-se de uma sobreavaliação grosseira, se levarmos em conta que o P/L (múltiplo) histórico é 15. Como o mercado eufórico faz com que tudo suba, por um tempo estes preços parecem solicitados por novas altas. Quando o múltiplo atinge um nível enlouquecido, digamos 50, a comunidade de investidores costuma anunciar que os lucros já não importam mais. A partir desse momento, a valoração de uma empresa, segundo os investidores fora da Escola de Valor, já não se faz a partir do que lucram, mas sim, por exemplo, de suas vendas.

No entanto, uma empresa pode ter boas vendas, mas se gasta muito ou está enterrada em dívidas terá pouco lucro líquido. Não importa: quando se perde a ligação com a realidade, os investidores buscam justificar suas apostas de qualquer forma. É por isso que negócios não lucrativos veem os preços de suas ações subir e subir. Foi o que aconteceu nas décadas de 1920, 1960, 1990 e no ano de 2007.




É nesse contexto que os bancos de investimento colocam as empresas que estão estreando na bolsa com preços que representem cerca de vinte vezes suas vendas e não seus lucros líquidos. Já não se considera que uma empresa deva mostrar antecedentes para merecer uma alta valoração: a promessa de ganhos futuros basta. Jim Clark, fundador da Netscape, vendeu por US$ 1 bilhão sua participação na companhia, apesar dela nunca ter dado lucros.

Quando vem a proclamação de que o que importa são as vendas e não os lucros, trata-se da fase final de uma bolha. Nesse ponto, alguns investidores da Escola de Valor retiram-se, conscientes de que a bolha cedo ou tarde explodirá e de que a relação entre os preços da bolsa e a realidade foi anulada. Charles Clough, value investor da Merril Lynch, vendeu suas ações pouco antes do colapso de 2000-2001. Por outro lado, a maioria dos investidores permaneceram ... e se afundaram com a bolsa quando a bolha estourou.




Um dos aspectos da psicologia humana é a necessidade de antecipar o futuro, tentando encontrar chaves de entendimento no passado ou no presente. A Neurociência mostra que as pessoas buscam padrões em qualquer repetição: quando percebem um padrão que se repete querem prever o futuro. Quando um fato ocorre duas ou três vezes, segundo a ciência do comportamento, as regiões do cérebro chamadas de giro cingulado e núcleo accumbens, automaticamente, acreditam que acontecerá outra vez. Se houver repetição, o cérebro liberta uma substancia que gera euforia. Quando caem as ações, a perda de dinheiro ativa a amígdala cerebral e faz com que a pessoa fuja como um animal encurralado. Daí vem a explicação da criação de travas de segurança, como os STOPS nos homebrokers modernos. O público, incluindo o investidor sofisticado, frequentemente investe de acordo com esses impulsos. Por isso, não é fácil praticar a Escola de Valor: ela vai no sentido contrário de algumas de nossas reações instintivas.

Dois terços das previsões sobre os lucros das mais diversas empresas foram equivocadas e, no entanto, os analistas de grandes fundos continuam fazendo-as sistematicamente. Com frequência, os que apostam em empresas de alto crescimento falham na hora de determinar o bom momento para investir nelas. Quando uma empresa vai bem, os especuladores apostam de maneira desproporcional, portanto, seu preço dispara, o que torna essa ação especulativa e assim, paradoxalmente, uma compra ruim mesmo que a empresa esteja indo bem.




Quando dois gigantes se fundem, o mercado costuma responder com euforia, sem avaliar se a fusão é plausível. A maioria delas não tem sentido algum. Quando, em 2000, a AOL e a Time Warner se fundiram, o mundo financeiro achou que era o início de um sucesso que se tornaria legendário. Era tal a euforia que, apesar de a AOL ter menos patrimônio e lucros que a Time Warner, seus acionistas ficaram com 50% da nova entidade. Foi um completo fracasso.

A obsessão com os lucros futuros, que por definição são imprevisíveis, domina o mundo do investimento especulativo. Os mercados reagem de forma absurda conforme os resultados financeiros das empresas se aproximam ou afastam das previsões dos analistas. O que esses analistas evitam é o que os value investors valorizam: o estudo de como a empresa gera lucros.

Há basicamente cinco formas de uma empresa aumentar seus benefícios: reduzir custos, subir os preços de seus produtos, expandir à conquista de novos mercados, vender mais nos mercados que já possui e revigorar ou fechar operações que representem perdas. Os especialistas frequentemente esquecem essa questão elementar. A obsessão por empresas que crescem leva muitos investidores a confundir crescimento com expansão.

Pode haver crescimento dos lucros de uma empresa de um setor que está encolhendo. Uma empresa pode aumentar suas margens baixando custos, apesar da diminuição de consumidores nesse setor. Mas, em longo prazo, se o setor está encolhendo, esse crescimento dificilmente se sustentará, a não ser que a empresa tenha uma vantagem competitiva sólida. Nada disso é levado em consideração pelas instituições investidoras que se deixam influenciar pelo resultado do último trimestre ou adivinham o crescimento futuro com base exclusivamente no comportamento da ação, sem entender que o importante é o crescimento da empresa e não o preço do título.

Peter Lynch diz que um investidor comum até leva vantagem sobre um especialista, na medida em que o patrimônio e os lucros de uma empresa podem ser percebidos na experiência cotidiana, na rua. As pessoas, antes de analisar a empresa de forma mais profunda, podem observar nos restaurantes, nos shoppings e em outros ambientes onde haja vendas ou não quais negócios têm sucesso e quais fracassam. É o que ele chama de “o poder da sabedoria popular”. A Escola de Valor tem suas raízes na realidade e a especulação na irrealidade.














sexta-feira, 25 de setembro de 2015

PREÇO É DIFERENTE DE VALOR - TEXTO DE ÁLVARO VARGAS










Investir não é uma ciência exata.  A criatividade individual e o acaso também estão presentes.  Mas o estudo dos fatos reais é o que dá a maior proteção contra os riscos. A análise, disse Graham, está calcada no valor determinado por fatos e não naquele que fica na dependência de expectativas. O enfoque do analista é diametralmente oposto ao do especulador, cujo sucesso mora na habilidade para fazer prognósticos ou adivinhar acontecimentos futuros.

Por que a análise é importante? Porque uma ação não é um mero símbolo do ticker da Bolsa ou uma luzinha eletrônica, como creem os que compram e vendem enlouquecidamente. Ela representa o interesse do proprietário, por minúsculo que seja, no negócio da empresa. Para comprar uma parte ínfima do negócio, ou do negócio inteiro, analisa-se o que ele vale, independentemente do vaivém hipnótico dos preços da bolsa.

Enquanto o mercado financeiro é um pêndulo que vai do otimismo ao pessimismo, o investidor inteligente, conforme ensinou Graham, é um realista que vende para os otimistas e compra dos pessimistas.  Mas não se deve fixar o valor das ações em função da Bolsa:  deve-se usá-la apenas para comprar ou vender em função do cálculo desse valor. É por isso que “o investimento é mais inteligente quando feito como negócio”, segundo uma frase famosa de Graham que Buffett tem repetido à exaustão. Porque a primeira regra, como nos lembra a Escola de Valor, é não perder dinheiro e a segunda, não perder dinheiro.  Para isso é preciso focar no negócio, não na Bolsa.


Ben Graham - à direita

O preço da ação hoje, amanhã ou depois de amanhã é uma mera distração.  O que importa é se o negócio vale mais do que o seu preço e se continuará valendo mais do que oferecem por ele quando subir de preço.  Nesse sentido, como tem escrito Peter Lynch, é um absurdo que os grandes investidores institucionais – fundos de investimento, fundos de pensão e bancos – frequentemente evitem comprar certas ações porque não tem muita liquidez, ou seja, não são fáceis de vender.  Isso é, ele acrescenta, tão absurdo quanto se casar apenas se a papelada do divórcio já estiver providenciada.  Como nove em cada dez empresas cotadas na Bolsa são pouco negociadas, se o indivíduo eleger apenas a que pode vender rapidamente, suas possibilidades diminuem.

Um dos maiores males financeiros é o costume de investir no que está na moda.  Ao longo do tempo e graças à tecnologia, diferentes indústrias surgiram, modificando a economia numa sociedade.  Naturalmente, atraíram muito capital.  Entre as indústrias de transformação estiveram o rádio, os automóveis, as linhas aéreas e, mais recentemente, a biotecnologia e a internet. Em todos os casos, os investidores pensaram que havia espaço para todos e, portanto, lucros incessantes, provocando com isso um aumento de preços das ações dessas indústrias, o que por sua vez atraiu a novos e maiores investidores.  Nos mais variados setores, a moda eliminou o senso de realidade: pagavam-se fortunas pelas ações das empresas em voga achando que os lucros ilimitados do futuro justificavam qualquer preço. Inevitavelmente, a maioria das empresas que estavam na crista da onda quebrou, arruinando os especuladores que não investiram com base na análise, e sim na moda.

Paradoxo interessante: as indústrias que desenvolvem as sociedades mediante grandes avanços da tecnologia com frequência são onde um investidor de longo prazo menos deve focar, pois é muito difícil saber quem sobreviverá no meio do excesso de capitais ávidos por sucesso.

Um setor pode crescer 50% ao ano e pode acontecer, ao mesmo tempo, que diferentes companhias, devido à concorrência fechada, não ganhem muito dinheiro.  Se alguém tivesse o dom de apontar, no auge da moda de um setor, a empresa ou as empresas que superarão a concorrência provocada pela febre investidora, ganharia muito dinheiro. Quando isso ocorre, não é a análise, mas sim a quiromancia que determina o sucesso do investidor.




Ninguém podia garantir que entre 2004 e 2008 as ações do Google, o gigante da informática, emblema da era cibernética, subiriam 50% ao ano, pois no inicio dessa década não havia como, mediante análise, garantir que a companhia obteria rendimento em um campo por definição ainda incipiente, sujeito a mudanças constantes e a uma concorrência intensa.  Portanto, não é que a moda impeça de ganhar dinheiro: o que impede é se proteger com razoável segurança do risco de perdê-lo.




O mesmo já tinha acontecido com os aviões e as ferrovias.  Sim, as ferrovias mudaram o mundo. Mas quem comprou ações quando elas entraram na moda tiveram, em longo prazo, muitos resultados ruins. Por mais que a indústria tenha experimentado um BOOM antes e depois da Primeira Guerra Mundial, os benefícios reais dessas empresas não aumentaram significativamente: havia muita concorrência. Nos anos seguintes, financiaram-se emitindo bônus, isto é endividando-se, porque não lucraram o suficiente para tornar a emissão de ações atraente.  A maioria quebrou entre os anos de 1920 e 1930.

Recentemente, as tecnologias de ponta tem produzido novos setores, nos quais também vimos empresas subirem e caírem o tempo todo, arruinando seus investidores (salvo aqueles que adivinharam quais ganhariam muito dinheiro em curto prazo).  Há quarenta anos, a Xerox inventou a fotocopiadora de escritório e era uma companhia da moda.  Seu preço subiu tanto que chegou a ficar cotada a um preço quarenta vezes maior do que seus lucros, o que quer dizer que os investidores estavam dispostos a pagar quarenta vezes o que produzia o negócio anualmente.  Um absurdo!




Se avaliassem que, nos últimos duzentos anos, o preço das ações tem sido, em média, quinze vezes maior do que os lucros das empresas, é óbvio que comprar ações da Xerox a esse preço pareceria grotesco.  No início da década de 1970, ela parecia o futuro encarnado. Mas, exatamente por isso, todo tipo de concorrente entrou no mercado, incluindo a IBM e várias companhias japonesas, que causaram danos aos planos da Xerox. Pela falta de vantagem competitiva e, portanto de aumento de lucros, a ação da Xerox acabou perdendo 85% do seu valor.

Em nossos dias, a Nokia, o grande conglomerado finlandês, teve uma experiência parecida em outro setor.  Publicaram-se livros (por exemplo, Como a Nokia mudou a cara do celular) celebrando seu sucesso transformador entre os anos 2004-2009.  E o que aconteceu? Simplesmente, o setor ficou repleto de concorrentes atraídos pela perspectiva de ganhos ilimitados: outra vez, a maldita moda.  Em 2011, a empresa entrou em crise que levou os analistas a se perguntarem se ela poderia sobreviver e os próprios responsáveis pela companhia passaram a redesenhar toda a estratégia. Moda, dizia Salvador Dali, é o que está fora de moda.  Nas finanças também.




A fatia do mercado de celulares da Nokia, que três anos antes era líder, tinha passado a ser assediada pela Apple (que nunca antes tinha se metido no ramo de celulares) e outros concorrentes como a Samsung.  A crise provocou tal trauma na antes rainha das telecomunicações que ela decidiu mudar de capitão – colocando um ex-executivo da Microsoft na liderança -  e anunciar o impensável: que estavam dispostos a usar um sistema operacional diferente em seus telefones, o da Microsoft, em lugar do que eles mesmos produziam.  Isso apesar de terem chegado a controlar em 2007, 80% do mercado de celulares.

O mesmo que aconteceu com a Nokia atingiu centenas de empresas de telefonia, ferrovias, aeronáuticas e outros setores que mudaram para sempre a forma de transporte, comunicação e negociação dos terráqueos, mas que constituíram um péssimo negócio pelo excesso de moscas na sopa: nas indústrias de tecnologia de ponta, tudo é muito volátil porque leva muito tempo até uma empresa, ou um punhado de empresas, consiga estabelecer uma posição definitiva diante da abundância de concorrentes que querem replicar ou superar o rendimento dos pioneiros. Por definição, as tecnologias de ponta são mutáveis e abertas a novos participantes. Portanto, do ponto de vista do investimento, trata-se de um verdadeiro quebra-cabeças: impossível saber quem vai dominar a partida quando a moda está em seu ápice.




É curioso, mas da mesma forma que não se ganha dinheiro investindo em empresas da moda, é possível que elas fiquem muito atraentes quando saírem dessa fase. Exemplo óbvio disso são os cigarros. Uma vez que as intensas campanhas sociais e governamentais imprimiram um estigma sobre a indústria, tornou-se politicamente correto rechaçá-la. Quietinha, a Philip Morris continuou ganhando fabulosas quantidades de dinheiro ano após ano, justamente porque foi ficando cada vez mais sozinha. Quem em sã consciência iria querer investir na fabricação de cigarros e competir com os que continuavam nesse negócio censurável? Tal vantagem permitiu a Philip Morris elevar os preços de seus cigarros e baixar seus custos periodicamente, aumentando suas margens sem medo da concorrência. Aqueles que compraram suas ações, que estavam fora de moda, fizeram a festa.

Para nadar contra a corrente é preciso ter um temperamento especial. Por isso não há investidor da Escola de Valor que não faça referência à importância suprema desse fator na hora de decidir sobre um investimento.  Como os demais investidores se comportam é muito menos importante do que seu comportamento.




Segundo Peter Lynch, seja qual for o método que você use para decidir em qual fundo mútuo coloca seu dinheiro, no final seu sucesso ou fracasso dependerá da sua disposição para ignorar as preocupações com o mundo durante tempo suficiente para que seus investimentos prosperem. Se deixar que as emoções guiem suas decisões de investimento, ficará muito difícil tirar proveito dos erros, motivados pelo excesso de emoção, dos demais investidores.


Charlie Munger & Warren Buffett

Charlie Munger, o famoso sócio e número dois de Warren Buffett, levou anos falando dos aspectos psicológicos da finanças antes que a escola financeira baseada no comportamento, Behavioral Finance, desse a isso um prestígio acadêmico. Mas a tal disciplina acadêmica faz, de certa forma, o mesmo que Munger vem fazendo há décadas: explica a irracionalidade da conduta financeira das pessoas. Tal abordagem tem como base interessantes constatações como a de que os investidores sofrem duas vezes mais perdendo dinheiro do que se alegrando quando ganham. Por isso vendem o que cai, mesmo que seja bom, e seguem o rebanho, porque precisam se sentir menos sozinhos quando algo parece apetitoso.

Por outro lado, para quem tem temperamento de investidor nada substitui a análise. Uma boa análise é uma rocha à qual se pode agarrar nos momentos de maior tempestade. A análise é melhor do que qualquer outra  coisa, incluindo a informação privilegiada, como demonstraram todas as quebras da bolsa ao redor do mundo, nas quais sempre perderam muito dinheiro as pessoas que possuíam, como em 1929, blocos de ações de suas próprias empresas compradas com dinheiro emprestado.

Quando falo de análise, claro que não me refiro ao tipo de análise – conhecida como técnica – utilizada pelos traders, esses que compram e vendem todos os dias sem saber realmente o que estão negociando e agem apenas porque os gráficos de seus computadores, com base nos preços saltitantes das ações e o volume de títulos negociados, identificam alguns padrões – representados por sedutoras listas e desenhos espalhados pela tela do computador – que os fazem acreditar ser possível prognosticar o que vai acontecer de imediato.




Não digo que observar o histórico dos preços de uma ação por meio de um gráfico não tenha utilidade. Digo que basear a compra ou a venda nessas movimentações é absurdo, assim como os modelos informatizados que muitos investidores institucionais usam para investir, com algoritmos que automaticamente disparam ordens, provocando frequentemente verdadeiros desastres (por exemplo, quando aceleram a queda de uma ação que tenha perdido alguns níveis por pura reação pavloviana). Se alguém observar durante muito tempo uma quantidade determinada de dados, no final sua mente detectará certos padrões. E esses padrões farão com que acredite ser possível antecipar o que virá depois.  As fórmulas de investimento automático baseadas em modelos estatísticos fracassam por isso.

A única análise que serve é a que estuda a qualidade do negócio, sua posição competitiva, seu gerenciamento, como se financia, qual porcentagem de seus lucros é repartida como dividendos entre os acionistas e qual é reinvestida, se cria ou destrói valor e se tem uma história de rendimento sustentado. Só assim é razoavelmente seguro fazer projeções sem devanear sobre as perspectivas em longo prazo.

Em última instância, a pergunta que o analista responde é simples: o que faz essa ou aquela empresa ganhar dinheiro e, portanto ter valor? Se ganha dinheiro porque adquire outras companhias pagando muito por isso, faz um mau negócio, se por outro lado, cresce porque tem conseguido manter uma postura competitiva, é um bom sintoma de qualidade de gerenciamento e vantagem competitiva. Não se trata de saber se no ano em curso a empresa está ganhando dinheiro, pois pode ser um momento excepcional. A questão é saber qual a sua capacidade de gerar lucros em condições normais e de forma sustentada.

Costuma-se pensar que o grande investidor aplica em negócios complexos e difíceis. É o contrário: costuma investir em coisas simples que os pretensos sofisticados ignoram, ou seja, empresas insépidas que vendem comida, utilidades domésticas, etc. O analista, como diz Graham, busca uma “estabilidade inerente” ao negócio: quanto menos sobressaltos, melhor. Paradoxalmente, os negócios onde há mais aposta pela mudança são os que têm mais riscos e oferecem menos garantias para o investidor.  Já aqueles resilientes e, portanto, estáveis são os que permitem prever se no futuro o rendimento do passado será mantido. Trata-se de fatores mais qualitativos do que quantitativos. O especulador foca no resultado do último trimestre, se observa um salto nos lucros, conclui que a empresa é boa e compra ações sem ponderar se o que está em questão é um salto excepcional ou se o negócio é volátil por natureza. O investidor faz o contrário: o último trimestre é o que menos interessa.


Peter Lynch

Lynch cita o exemplo da empresa cuja ação mais se valorizou na história do capitalismo fabricando algo tão simples como uma torneira de forma arredondada com apenas uma haste para controlar o fluxo d’água. 




Trata-se da Masco Corporation, negócio tão estável, liderado por uma empresa tão bem posicionada que seus ganhos aumentaram sem parar em todo tipo de circunstância – guerras, recessões – durante a convulsiva segunda metade do século 20. E como seus lucros se multiplicaram cerca de oitocentas vezes, entre 1958 e 1987, a ação subiu de preço 1.300 vezes. Imagine como seus amigos teriam debochado de você se dissesse a eles que tinha ações de um fabricante de torneiras de apenas uma haste enquanto eles apostavam nas tecnologias que estavam revolucionando o último meio século?  Pois é, com o tempo, você teria rido por último.




O mesmo aconteceu com a Coca-Cola, negócio simples até não poder mais, que consiste em comprar commodities e combiná-las para fabricar um concentrado vendido para engarrafadoras, que por sua vez, combinam-no com outras substâncias e depois vendem o produto aos varejistas (a Coca-Cola possui também marcas como Diet Coke, Sprite, Fanta, Mello Yello, Minute e Powerade e é dona de algumas engarrafadoras e em certos casos vende seu xarope diretamente para alguns pontos de venda). Vem fazendo o mesmo desde a década de 1880. Mesmo que, de quando em quando, adquira outros negócios ou diversifique um pouco sua oferta, seu negócio principal é de uma estabilidade eterna.

O fato de apostar em negócios estáveis não significa que os Value Investors desprezem as empresas que registrem muito crescimento. Mas, diferentemente de quem investe de olhos fechados nos negócios da moda que subitamente crescem muito, eles querem saber se o preço é caro e questionam se esse crescimento é sustentado, ou seja, se a empresa, para manter valor não está perdendo-o em vez de gerá-lo. O motivo desta dúvida é que se uma empresa reinvestir seus ganhos automaticamente, sem prudência, como parte de uma estratégia de crescimento afobado, pode obter uma rentabilidade menor do que custa o capital que está reinvestindo.

Durante um tempo, o reflexo irreal do crescimento galopante faz parecer que a empresa reinvestiu bem seus lucros, mas depois se depara com a amarga realidade. Não é o crescimento que dá qualidade ao negócio: é a qualidade do negócio que gera crescimento. Na maioria dos casos – a exceção é justamente em negócios de qualidade com a capacidade competitiva -, o crescimento atrairá concorrentes que farão diminuir a rentabilidade da empresa que acreditava estar galopando rumo ao céu. O crescimento excessivo nunca é sustentável a longo prazo, entre outras coisas, em virtude da lei dos retornos decrescentes. Não é possível crescer eternamente porque chegaríamos ao absurdo de uma empresa se tornar maior do que a totalidade da produção global.




Buffett definiu a proposta de empresa que sabe estabelecer uma vantagem competitiva como “franquia”. A franquia é um monopólio – alguém tem o direito exclusivo de representar uma marca em um determinado território -, de maneira que, na premissa de Buffett, a empresa ideal para um investidor é aquela que tem uma posição dominante em sua área, protegida do assédio da concorrência. É a isso que ele chama moat, o fosso com crocodilos que separava o castelo medieval de seus inimigos e o protegia de ataque externo.

Buffett não se refere necessariamente a um monopólio protegido pelo governo, mas sim a uma posição dominante conseguida por diferentes motivos. Por exemplo, as empresas nas quais a marca e o produto são virtualmente indissociáveis – como a Coca-Cola – oferecem ao investidor muita segurança porque estão rodeadas por um fosso quase intransponível.

Desenvolver uma marca a partir de um produto competitivo – como o McDonald’s – e oferecer serviços e produtos repetitivos, aos quais o cliente retorna, são abordagens que dão força competitiva à empresa. Em 1895, quando trabalhava na Crown Cork Factory, um tal King Camp Gillette se deu conta de quanto os produtos descartáveis eram úteis. Reparava como os consumidores jogavam as tampas das garrafas, com a cortiça fabricada por sua empresa. Um dia, barbeando-se, pensou que seria útil ter uma navalha descartável. Ele passou os oito anos seguintes desenvolvendo e estabelecendo a produção das lâminas e primeiros produtos que levaram o seu nome.




Durante a Primeira Guerra Mundial, o fabricante forneceu aos soldados 35 milhões de navalhas e 36 milhões de lâminas de barbear. Ao voltar da guerra, os soldados continuaram precisando do seu produto. Assim se formou uma das marcas mais famosas do mundo. Com o tempo, a própria marca fez da Gillette um negócio do tipo que Buffett gosta: previsível, repetitivo, simples e altamente atraente, que dava ao fabricante um fosso protetor contra a concorrência. O Oráculo de Omaha ganhou muito dinheiro comprando ações da Gillette e mantendo-as indefinidamente. Era um exemplo perfeito do que define como franquia: um produto ou serviço necessário ou desejado que não tem um substituto que se aproxime e não esteja sob regulação.

Nem sempre uma marca é o que dá ao negócio sua vantagem competitiva. Há outras formas de ganhar um espaço inacessível. Uma delas é ser muito caro para o cliente mudar de fornecedor: os bancos nas quais o indivíduo tem conta, financiamento e dívidas, por exemplo, ou uma empresa como a Alcon, que vende aos oftalmologistas e oculistas produtos para os olhos – para esses profissionais seria complicado ter de aprender a usar produtos diferentes, fabricados por outra companhia.




Outra maneira de ganhar competitividade é o efeito “rede”, pelo qual todo novo usuário aumenta o valor do produto para os usuários já existentes. O telefone, em sua época, ou o Facebook, em nosso tempo, são dois exemplos. Por último, uma empresa pode conseguir uma grande vantagem graças a seus baixíssimos custos: competir com ela significa quebrar, pois é necessário diminuir os preços a um nível tão baixo que impede as margens de lucros necessárias.

Para Buffett, existem dois tipos de empresas: uma é a que vende produtos indiferenciáveis, como se fossem commodities. Nestes, a única maneira de superar a concorrência é baixando o preço. A outra é a que goza de uma vantagem competitiva durável. Esta pode se dar ao luxo, por sua situação privilegiada, de praticar preços como se não tivesse concorrência. Este segundo tipo de empresa, protegida pelo fosso medieval, ganha dinheiro de duas formas: aumentando as vendas (uma intensa rotatividade do estoque) ou com grandes margens nas vendas, graças às quais pode fixar preços elevados sem medo de perder clientes ou consumidores.




São exemplos dos primeiros tipos de empresa – que vende algo indiferenciável e compete apenas baixando preços – os portais e provedores da internet, fabricantes de chips de memória, as companhias aéreas, os produtores de milho, arroz, petróleo ou aço, os fabricantes de automóveis, papel ou madeira.  Nesse tipo de negócio, as empresas vão bem nos momentos de auge e mal em tempos recessivos. Mesmo que ganhem dinheiro, têm que constantemente usar boa parte de seus ganhos para modernizar suas plantas e equipes ou investir em pesquisa e desenvolvimento, para se defender da concorrência e não para expandir o negócio. A única possibilidade de realmente ganhar dinheiro com esse tipo de negócio é fabricando o produto pelo mais baixo custo.

Por outro lado, os negócios que têm uma vantagem competitiva durável são os que garantem o maior benefício para os acionistas, pois podem expandir a fortuna de seus donos e não só mantê-la. Se uma empresa tem que, o tempo todo, ampliar seu capital para investir mais, pois caso contrário não pode sustentar sua posição, o dinheiro que entra não irá para o bolso dos acionistas.




Durante oito décadas, a Hershey’s, fabricante de chocolates, não mudou. Por sua vez, a Intel, o fabricante de chips e plataformas digitais feitas a partir de circuitos integrados, precisa gastar toneladas de dinheiro para inovar seus produtos e assim poder manter a sua posição, caso contrário a Motorola, a Advance Micro Devices e outros concorrentes a engolem. Para o investidor, a entediante e repetitiva Hershey’s tem sido, ao longo de décadas, muito melhor negócio do que a Intel, que tem oscilado entre o resplendor e a escuridão de tempos em tempos.

Um negócio que a priori não goze de posição competitiva pode chegar a tê-la, como aconteceu com os jornais regionais nos EUA (hoje, após décadas de sucesso econômico, estão com a corda no pescoço, mas quem investiu há anos ganhou muito dinheiro). Também pode acontecer, em um setor de produtos aparentemente indiferenciáveis, que algumas empresas consigam criar um nicho. O melhor exemplo são os carros de luxo, como a BMW ou Porsche, que podem cobrar preços de doer, pois o público quer a marca.




Um negócio sólido com vantagem competitiva é só a primeira parte da análise. O preço da ação é a outra. Uma ação cara supõe uma alta expectativa de lucros futuros. O analista, explica Graham, deve levar em conta os benefícios futuros, mas menos para se beneficiar do que para se proteger deles. Não se deve comprar ações, dizia Schloss, como se compra um perfume, mas sim como se compra verduras.

O investidor julga o preço a partir de alguns padrões de valores estabelecidos, enquanto o especulador baseia seus padrões de valor no preço do mercado. Comprando barato algo que vale mais, em longo prazo, ganha-se dinheiro, porque há uma correlação entre os ganhos da empresa e o preço de suas ações: entre 1950 e 2000, os ganhos das corporações norte-americanas aumentaram cinquenta vezes e os preços das ações que compõem o índice da bolsa, sessenta vezes.

Ao escolher empresas para investir, você deve assegurar-se de que tenham capacidade de gerar ganhos sólidos e de uma maneira estável, mas também que o preço seja adequado. A combinação de ambos os aspectos cedo ou tarde rende. Uma empresa sólida e com ganhos estáveis pode fazer com que seus acionistas ganhem muito, inclusive se houver recessão ou se a bolsa tiver rendimentos muito ruins.

Durante as imensas recessões dos anos de 1970 e 1980, a Taco Bell, rede de comida mexicana, valorizou-se espetacularmente. A Dreyfus, empresa financeira, viu suas ações aumentarem de preço cerca de cem vezes, entre 1977 e 1986, período com vários anos horríveis para a bolsa. Nesses e em outros casos, se você comprasse algo bom por pouco dinheiro, o sucesso sorriria para você, apesar do clima pesado no mercado.




Quando se paga muito pelas ações de uma boa empresa que dá lucros, o preço da ação pode não aumentar porque o preço alto já reflete os ganhos futuros.  Em 1998, a ação da Coca-Cola valia US$ 89, mas dez anos depois valia entre US$ 40 e US$ 65. No entanto, nessa década os dividendos da companhia gozaram de um crescimento anual de quase 10%. Por que os acionistas que compraram em 1997 perderam dinheiro durante anos seguintes se os ganhos da Coca-Cola cresceram? Porque, em 1997, as ações cotadas em US$ 89 custavam 63 vezes o que a empresa ganhava por ação. Como mencionei antes, o múltiplo histórico é 15, de modo que a sobrevaloração das ações da Coca-Cola era enorme.

Sendo assim, o segredo é pagar pouco e comprar muito: é o que Graham chamou de margem de segurança – a diferença entre o preço de venda da ação e o seu valor intrínseco, do modo como o analista sério calcula. Apenas pagando menos do que você acredita valer a ação será possível se proteger do erro ou de algo imponderável que afete irreparavelmente o rumo do negócio.




Às vezes pode demorar muito para que o preço se alinhe ao valor. O preço das ações da Merck, gigante farmacêutico, não se mexeu entre 1972 e 1981, apesar de os lucros subirem 14% ao ano e depois, por fim, seu preço multiplicou-se por quatro em apenas cinco anos. Mas isto é incomum: bem mais frequente é que, se houver lucros, o preço não tarde tanto a refleti-los, pois em médio prazo ele se movimenta junto com os lucros.

Em 1997, General Motors ganhava US$ 7,89 por ação e, em 2007, seus lucros tinham caído para US$ 0,33 por ação.  Essa década de perda de valor foi refletida na queda do preço da ação, que, em 1997, estava a US$ 72 e, dez anos depois, em outubro de 2007 tinha caído para US$ 4. Mais cedo ou mais tarde, preço e valor empatam. Mas, como escreveu Philip Fisher: “com frequência, é mais fácil dizer o que acontecerá com o preço de uma ação do que quanto tempo levará para que isso aconteça”.

Quando avalia uma empresa, Buffett não pergunta se o preço desta ação vai subir. A pergunta que faz é: se a empresa inteira vale 5 bilhões na bolsa e eu tenho 5 bilhões no banco, devo compra-la? E se comprar, qual retorno terei? E esse retorno, enquanto porcentagem do que as ações dessa empresa me custam, é melhor do que o retorno que os bônus me dariam? Se um negócio gera em lucros reais cerca de 100 mil dólares, euros, reais, pesos ao ano, quanto estaria Buffett disposto a pagar por ele? Para decidir isso, é preciso saber primeiro qual é a taxa de juros que o bônus de alta qualidade – o melhor valorizado – paga.




Você deve ter notado que quando acontecem grandes quedas na bolsa todo mundo entra em pânico. Mas há uma exceção: os Value Investors. Para o investidor inteligente, como batizou Graham, as crises da bolsa criam valor. No crash de 1987, por exemplo, o preço das boas empresas desmoronaram. Mesmo a Nike registrando vendas recordes - no último trimestre tinham subido 10% os pedidos de novos tênis, os lucros crescido mais de 60% -, a ação foi vítima do pânico geral. Ao notar a queda injustificada, um investidor isento teria observado que era o momento certo de comprar e teria visto suas ações revalorizarem doze vezes em apenas cinco anos.




Nesse mesmo ano, 1987, o da catástrofe bursátil – quando as bolsas de meio mundo perderam um quarto e um terço de seu valor de mercado -, foi o que permitiu a Buffett comprar por bom preço as ações da Coca-Cola que tantos rendimentos lhe dariam  em anos futuros. Do mesmo modo, quando a valorização é excessiva e uma bolha se anuncia no horizonte, o investidor inteligente vende e evita um golpe mortal no momento em que o crash chega. Três anos antes da quebra de 1973-1974, Buffett já estava vendendo ações que ele considerava sobrevalorizadas.


A análise fundamentalista, a margem de segurança e as quedas da bolsa formam uma combinação vencedora.