domingo, 4 de outubro de 2015

PALAVRAS DE ORIENTAÇÃO










Warren Buffett costuma dizer que a inteligência não é garantia de sucesso quando o assunto é investimento. Ele observou que um QI acima de 130 é desperdício. Você certamente não precisa ser o aluno mais inteligente da turma para aplicar a abordagem em valor para o investimento. E se você não for bom em matemática e não tiver cabeça para os números, e daí? Isso provavelmente será vantagem, já que você não ficará preso nas análises detalhadas. Você será capaz de se concentrar naquilo que é importante para a sua carteira: o negócio (ações) que você está comprando. Em vez de levar horas analisando a demonstração do fluxo de caixa, você estará fazendo perguntas relevantes como: Qual é a vantagem desse negócio? Sua administração é transparente? Em outras palavras, os pontos qualitativos que não são encontrados imediatamente nos números.

Seu emprego atual também não deverá ser um obstáculo. Os grandes investidores em valor estão presentes em todas as profissões: advogado (Charlie Munger), vendedor da IBM (Rick Guering), graduado em química (Tom Knapp), executivo de publicidade (Stan Perlmeter), graduado no ensino médio (Walter Schloss). A maioria das pessoas leva cinco minutos ou menos para entender o conceito do investimento em valor e isso é o que importa: ele não é complexo ou extremamente técnico. Você consegue.


Acho incrível que as pessoas ou entendem imediatamente a idéia de comprar notas de um dólar por 40 centavos ou jamais entenderão.”    Warren Buffett











sábado, 3 de outubro de 2015

JIM ROGERS - BIOGRAFIA









Em 1966, um jovem de vinte e quatro anos, dono de um sorriso franco, estatura baixa, voz suave e forte sotaque sulino comentou com seu chefe, na empresa financeira Dominick&Dominick, que ia interromper suas atividades para fazer uma pós-graduação em Administração de Empresas, o cobiçado MBA, que nos EUA e outros países é credencial indispensável para ser alguém no mundo dos negócios e do dinheiro. “Não me amole, venda uns grãos de feijão ‘a descoberto’ e aprenderá mais em apenas uma negociação do que em dois anos em uma escola de negócios”, respondeu o chefe.

Referia-se à conhecida forma de apostar na queda de um valor quando alguém faz uma venda “a descoberto” – short selling -, pega algumas ações emprestadas para vendê-las com a expectativa de que os preços baixem e, assim, comprá-las de volta por um preço menor, embolsando a diferença ao devolvê-las. Outra forma de fazer isso é comprar opções put (opções de venda): quem adquire este tipo de opção sobre um ativo (por exemplo, sobre as ações de uma empresa), tem o direito de vender à parte contrária (o lançador) o ativo em questão até uma data determinada e por um preço fixado, de maneira que, se o preço cair abaixo do combinado, quem tiver a opção sai ganhando.

Jim Rogers ouviu o conselho e investiu seu dinheiro em opções put sobre algumas companhias que fabricavam ferramentas.  Sendo assim, sua aposta era que essas ações cairiam. Mas o preço subiu três vezes em menos de quatro meses, de maneira que Rogers não pode exercer a opção. As ações continuaram subindo tanto que Jim considerou excessivo. Então voltou a apostar na queda, vendendo-as “a descoberto”. No entanto, os preços continuaram aumentando durante dois anos, até que Jim perdeu todo seu dinheiro. “Aquele sacana tinha razão”, pensou, “na escola de negócios nunca teria aprendido essa lição”.




Ao fim dessa mesma década, Jim conheceu George Soros no banco de investimento Arnold and S. Bleichroeder, onde ambos trabalhavam e o segundo construía uma excelente carreira. Nenhum dos dois queria ser empregado de ninguém e nem viver de salário. Decidiram fundar juntos o Soros Fund Management para gerenciar o dinheiro de terceiros. Conseguiram – melhor seria dizer que, sobretudo, Soros conseguiu – e puseram as mãos à obra. As tarefas estavam claramente divididas: Soros era o trader e Jim Rogers, o analista. Salvo uma secretária, não havia mais ninguém. Rogers, que vivia em uma casa na Riverside Drive, a qual conservaria por muitos anos, ia de bicicleta para o escritório na Columbus Circle, em Nova York, disposto a “não me angustiar se os outros me censurassem”.




Ao longo de uma década, durante a qual nunca tirou férias, esse dreamteam conseguiu uma rentabilidade dos sonhos, da qual ainda se fala com reverência muitos anos depois da dissolução. O fundo – primeiramente nomeado de Soros Fund, e depois de Quantum Fund – revalorizou-se entre dezembro de 1969 e 1980, ano em que Rogers o deixou, nada menos do que 3.365% contra um magro 47% do índice Standard & Poor. Aos trinta e oito anos, Rogers tinha cumprido sua meta: era milionário. Ficara para trás a má lembrança da fracassada venda “a descoberto” e tinha o resto da vida para viajar, investir seu próprio dinheiro e escandalizar o mundo com suas opiniões libertárias. O tempo ia abrindo entre ele e seu antigo sócio uma distância ideológica incontornável à qual ambos só se referiam com desgosto e incômodo.


Demopolis

O lugar onde Jim Rogers cresceu – Demopolis, no Alabama, Estados Unidos – não era precisamente um passaporte para a glória: a cidadezinha contava com apenas 7.800 pessoas  e o telefone de sua família tinha apenas um dígito – 5. A cidade mais próxima, com somente mil habitantes, ficava a oitenta quilômetros. Seu pai gerenciava uma pequena fábrica do Bordem Chemical Group, mas o salário era muito modesto e as condições em que viviam, nesse remoto rincão rural do Deep South, bastante restritas. Desde os cinco anos, Jim exibiu verdadeiro faro para os negócios: primeiro, vendeu amendoim e depois, quando pôde ir ao estádio de basebol, recolhia garrafas vazias do lixo: intuía que eram algo mais do que lixo.

Quando disse à sua família que queria tentar ser aceito na Yale University e com bolsa de estudo, pensaram que ele estava louco. Mas obteve-a e pôde fazer ali sua graduação. Sua ousadia de sulino com pretensões de ascensão social não acabou aí: ao concluir a graduação, trocou a proposta de trabalho de Dominick&Dominick por um simples estágio, pois queria ir para Oxford, na Inglaterra, fazer uma segunda graduação, com especialização em Política, Filosofia e Economia. No verão de 1964, não era raro vê-lo nos rios Cherwell ou Tâmisa, como timoneiro, no extremo da embarcação, gritando com os remadores da equipe universitária.





Quando retornou aos Estados Unidos, passou a trabalhar na empresa em que tinha feito um estágio. Sabia que queria se dedicar às finanças, mas também que não gostava da especulação e que o verdadeiro atrativo dessa atividade era intelectual, analisar companhias e tendências era bem mais estimulante do que fazer trading ou gerenciar dinheiro alheio no qual não tivesse participação e que, por isso mesmo, não oferecesse a possibilidade de fazer fortuna.

Teve que interromper seu emprego para cumprir o serviço militar durante dois anos, mas se entreteve investindo os recursos do oficial ao qual era subordinado. Foi ali que se propôs a não depender de ninguém no instante em que isso fosse possível: “Quero ganhar o suficiente para nunca mais ter que trabalhar e então poder investir meu próprio dinheiro”, disse com a mesma certeza do garoto que anunciou que Yale lhe daria uma bolsa porque ele merecia. Ao voltar à vida civil, passou por diferentes entidades sem o maior entusiasmo, ainda que em uma delas, a de Dick Gilder, tenha aprendido “que era preciso conhecer os números” do que se está analisando. Caso contrário, acabava cometendo as barbaridades que via serem cometidas diariamente pelos que investiam sem noção do fundamental.


Jim Rogers

Ainda que Jim Rogers represente uma variante diferente da escola tradicional do valor, essencialmente é um value investor. “Para ter sucesso investindo é necessário entrar cedo quando as coisas estão baratas, quando existe pânico e todo mundo está desmoralizado”, tem dito. Não ocultou nunca, e não oculta ainda, seu desprezo pelo “rebanho de Wall Street”, mas adverte: “- não se trata só de fazer o que Wall Street não faz, mas sim de fazer o que é correto”.

Certa vez, explicou o sucesso do Quantum Fund, durante a década em que ele e Soros estiveram juntos, da seguinte forma: não interessava tanto o que uma empresa tinha ganhado no último trimestre ou o que o mercado achava que ganharia no seguinte, nem, por exemplo, quantas remessas de alumínio haveria em curto prazo, mas sim como os grandes fatores sociais, econômicos e políticos alterariam o destino de um setor ou de um grupo de empresas durante os próximos anos. “Se houver uma ampla diferença entre o que vemos e o preço de cotação de uma ação, melhor, pois significa que podemos ganhar dinheiro”. A grande habilidade do fundo consistiu, em sua opinião, em entender prioritariamente as mudanças “seculares” em detrimento das cíclicas e, com base nesse conhecimento, encontrar grupos de empresas cujo potencial de valorização, à luz dessas grandes tendências industriais, fosse importante.




O enfoque de Jim Rogers, portanto, combinou sempre o elemento bottom-up, como se chama à análise de empresas individuais, com a perspectiva tow-down ou generalista, isto é, o estudo de como o ambiente econômico geral se reflete nessas empresas. Mas, diferentemente da maioria dos que adotam uma perspectiva generalista, o que importa para ele não são as taxas de crescimento imediatas ou as de juros, nem outros fatores dessa linha estatística, mas sim as grandes tendências sociais e seu impacto em certos setores da indústria.

A Escola de Valor, ao menos a partir da segunda geração, tem levado sempre em conta, sem deixar de priorizar a análise das empresas individuais, a posição competitiva de uma empresa no setor ao qual pertence e as perspectivas de futuro dessa indústria. Rogers faz o mesmo, mas com uma visão ainda mais ampla, prevendo como as grandes tendências sociais econômicas afetarão o desenvolvimento de determinadas indústrias.

“O truque para ficar rico é medir corretamente a oferta e a demanda. Nem os comunistas, nem Washington, nem ninguém tem conseguido contestar essa lei”, afirma. Vem daí sua convicção de que é preciso apostar “sempre contra os bancos centrais”, que depreciam a moeda e trapaceiam, e apostar “sempre pela vida real”. A partir dessa análise, a busca por oportunidades concretas adota a clássica procura por empresas menos valorizadas. E depois só resta esperar. “Pode demorar um pouco, mas prometo que acontecerá”, sentencia, referindo-se ao fato de que o valor acabará se manifestando e se alinhando ao preço.




Em última instância, o que Rogers faz não é muito diferente do que faz a Escola Clássica de Valor, por mais que em seu caso a análise generalista tenha peso: consiste, como fazem os clássicos, em entrar quando há preço bom. “A ação tem que estar barata de maneira que se algo der errado, a perda será mínima”, indica. No mais puro estilo dessa escola, a primeira prioridade é proteger o dinheiro. “Não perca grana”, aconselha. “Se não tem conhecimento de todos os fatos, não entre. Estude bem, espere e quando sentir que é o momento, entre com tudo”.




Inseparável de sua filosofia do valor tem sido sempre sua paixão por percorrer o mundo. “Minha noção de risco e oportunidade vem de viajar, ler História e Filosofia, não de uma escola de negócios”, tem dito. Por isso definiu sua visão de investidor com a ajuda deste verso de Kipling contra a mentalidade provinciana (apesar de ser um poema, como outros da obra deste gênio inglês, com inspiração imperial): “E o que poderia saber da Inglaterra quem conhecesse apenas a Inglaterra?”

Há muito tempo, e cumprindo a promessa que fez ao deixar o Quantum Fund, Jim Rogers é um cidadão do mundo. Tanto na hora de viver quanto na de investir. Desde os anos 1980, sua carteira de investimentos tem percorrido a geografia universal, aproveitando que o desconhecimento, a inércia ou a ignorância dos capitais de investimento desdenhavam possibilidades que uma mente um pouco mais atenta e ágil podia reconhecer como promissoras.




Em 1984, por exemplo, decidiu investir em companhias portuguesas. A Bolsa lisboeta ficou fechada para os estrangeiros durante muito tempo a partir da Revolução dos Cravos, mas, no instante em que isso mudou, Rogers farejou uma extraordinária oportunidade. Pediu autorização para transformar em dólares suas transações na bolsa local. A principal empresa de investimentos e corretora da Bolsa de Lisboa tratou de dissuadi-lo, escandalizada pela imprudência do norte-americano. Mas ele ordenou a compra de um pacote de ações das vinte e quatro empresas cotadas nela e de qualquer outra que entrasse na bolsa no futuro.

Não demorou muito, Rogers reuniu em sua carteira ações de trinta e cinco companhias portuguesas. Era um bom momento para Portugal, que viveu fechado para o mundo durante muito tempo sob uma ditadura militar e, depois, passou por uma transição difícil. Mas agora o país começava a decolar. O investimento rendeu suculentos frutos à medida que outros viram na Bolsa de Portugal o que Rogers tinha visto antes de todos e a carteira disparou.




Nesse mesmo ano de 1984, o investidor norte-americano focou a Áustria, país que na perspectiva atual não parece especialmente surpreendente como mercado para investir, mas na época era. A Bolsa austríaca estava paralisada na metade do nível que tinha vinte anos antes. Os mercados de títulos europeus estavam muito atrasados se comparados aos dos Estados Unidos e um bom número de países tinha cometido equívocos de tal ordem que espantaram potenciais investidores de forma permanente. Mas o olhar visionário percebia claros sintomas de mudança.

A França, após o desastre provocado por François Mittérand ao estatizar o sistema financeiro, tinha aprovado medidas para dar vida a seus anêmicos mercado de capitais. Outros países europeus tinham feito o mesmo e era evidente que a Áustria estava na mesma linha. Rogers tentou averiguar na sucursal nova-iorquina de um banco austríaco se era possível para um estrangeiro comprar ações naquele país: responderam que não tinham a menor idéia. Teve que viajar para Viena e se inteirar do assunto. Ali perguntou ao Ministério das Finanças quais partidos políticos ou correntes sociais importantes se opunham à liberalização dos mercados de capitais. Nenhuma, disseram. Boa notícia.




Uma olhada por cima do índice Morgan Stanley, relativo à Bolsa vienense, indicou que as empresas estavam sobrevalorizadas, pois cotavam, em média, a sessenta e sete vezes seus lucros: um absurdo que significava que, se a empresa ganhava 10, a ação custava 670. O que mostrava que recuperar o dinheiro demoraria sessenta e sete anos, se os lucros continuassem iguais no futuro. Mas uma investigação mais cuidadosa mostrou que o dado enganava, pois o índice estava baseado apenas em nove companhias, que, efetivamente, estavam sobrevalorizadas e deixava de fora um bom número de empresas exitosas menos conhecidas e, portanto, menos cobiçadas pelos especuladores.




O Morgan Stanley comunicou que essas ações eram pouco líquidas, isto é, que o volume negociado na Bolsa era pequeno e que, então, ficava difícil livrar-se delas depois de adquiri-las. Mas Rogers logo soube que isso também não era verdade, pois havia um mercado de compra e venda muito ativo fora da bolsa, impulsionado pelos bancos que negociavam entre si.  “Que se dane o Morgan Stanley”, sentenciou Rogers, que não é homem dado a muitos rodeios retóricos. Comprou ações. No ano seguinte, o índice Creditanstalt na Bolsa Austríaca subiu 145%. Entre as ganhadoras desse ano maravilhoso estavam as ações de Rogers. Essa não foi nem a primeira e nem a última vez que ele riu por último e melhor. Tinha entrado no momento preciso, quando todos menosprezavam a Bolsa Austríaca.

Apesar de gostar de embrenhar-se em países que não são levados em consideração por nenhum outro investidor estrangeiro, Rogers também atua naqueles que estão na moda e, portanto, onde a bolsa está subavaliada para vender “a descoberto” (short sale), o que julga estar com um preço injustificadamente caro (muitos investidores da escola de valor preferem evitar vendas “a descoberto”, ou seja, apostar na queda de uma ação supervalorizada, o que representa mais risco, e se conformam em fazer o contrário).




No mesmo ano em que comprou ações na Áustria, identificou na Suécia uma oportunidade de investimento por meio da venda “a descoberto”: a cotação geral da Bolsa desse país tinha se multiplicado por seis em apenas quatro anos, um sinal claro de irracionalidade. Rogers também alertou para o fato de algumas ações estarem muito mais caras do que outras. Investiu, apostando na queda. Durante o ano seguinte, o índice da bolsa caiu 10%, confirmando sua percepção a respeito dos preços excessivos da Bolsa Sueca. Mas as ações que ele tinha vendido “a descoberto” – Ericsson, ASEA, Pharmacia, entre outras – caíram ainda mais: desabaram entre 40% e 60%, trazendo para ele lucros enormes.

Em 1985, o radar de Rogers apontou para a Península Malaia. Cingapura tinha uma taxa de poupança de 42%, a maior do mundo, e a reforma da previdência feita por Lee Kuan Yew exigia que empregadores e trabalhadores colocassem dinheiro em um fundo de aposentadoria e que parte desse dinheiro fosse investida nas principais companhias do país.




Esta determinação e a redução de impostos sobre o ganho de capital dispararam a demanda de ações da bolsa. Mas a economia não atravessava um bom momento, de modo que com a quebra do conglomerado Pan Electric, que tinha subsidiárias em Hong Kong, Malásia, Brunei, entre outros locais, ordenou-se o fechamento da bolsa. Rogers, que tinha bons amigos ali, disse às autoridades de Cingapura e da Malásia que isso era um grande erro. Quando finalmente a bolsa reabriu, as ações caíram rapidamente, em vários casos perdendo um quarto da cotação.

Era o momento perfeito para um “value investor” consumado capaz de entender que a queda era desproporcional para empresas tão sólidas em uma economia cujos fundamentos, independentemente do momento difícil pelo qual passava, eram saudáveis. Além disso, estava proibida a entrada de novas companhias na bolsa, o que garantia uma oferta limitada de ações em um país onde, por lei, era obrigatória a compra de títulos financeiros. Rogers comprou as ações menos valorizadas e em dezoito meses, sua carteira asiática dobrou de valor.

Na década de 1990, continuou percorrendo o mundo em busca de situações parecidas às descritas anteriormente. Investiu em lugares como Botswana, Moçambique, Peru e Gana, onde comprou companhias vinculadas ao ouro e ao cacau. A idéia era sempre a mesma: ser o primeiro da fila, no mesmo instante em que o país se abrisse para os capitais e o investimento. Isso garantiria que, quando outros compradores investissem ali (incluídos os locais), as cotações subiriam, beneficiando ao valente que tivesse entrado primeiro.




Além disso, Rogers sabia que os governos que abriam uma portinha aos capitais logo liberavam as condições de investimento e privatizavam os fundos de pensão, ainda que parcialmente. Esse dinheiro não tinha muitos destinos possíveis. Sendo assim, quase sempre acabava canalizado total ou parcialmente para a bolsa local, forçando uma subida dos preços. O que já estivesse ali – e Rogers se especializou em chegar na hora ou antes – só podia ganhar. A prova definitiva para animar-se a investir em um país em vias de desenvolvimento era simples: “Moeda conversível e liquidez para poder sair caso tivesse se equivocado”. Também era útil observar o mercado negro dos países: se fosse grande, queria dizer que os controles eram asfixiantes e não era aconselhável entrar até que as autoridades mudassem de modelo.

Boa parte dos investimentos de Rogers dessa década nasceu de uma grande aventura: a volta ao mundo em uma motocicleta. Cumprindo outra vez a promessa que tinha feito ao deixar o Quantum Fund, Rogers tinha decidido percorrer o mundo para vê-lo, tocá-lo e conhecê-lo inteiramente. Motociclista convicto, tinha chegado à conclusão de que fazer o percurso com a moto seria a melhor forma de travar contato com os países – com seus problemas e habitantes – e conhecê-los profundamente.

Em 25 de março de 1990, iniciou uma viagem de dois anos e mais de 104 mil quilômetros ao redor do globo. Cruzou toda a Europa e a Ásia, até chegar a Tóquio; voltou para Amsterdã saindo da Sibéria; dirigiu-se de imediato para a África e a cruzou inteira até chegar à Cidade do Cabo; voou para a Austrália e atravessou o país de proporções continentais de cabo a rabo; voou para Cabo Cuernos, na ponta da América do Sul, e viajou em direção ao norte, cruzando todo hemisfério até chegar ao Alaska; finalmente desceu até San Francisco, onde voou de volta para Nova York.




Em seu livro Investment Biker, uma jóia sobre viagem de aventuras e finanças, descreve o que sentiu quando entrou em um conselho de administração (o que em certos países latino-americanos se conhece como diretoria) após dois anos. “Faz tempo que não te vejo”, comentou um integrante do conselho, “O que tem feito?”. Rogers respondeu: “Acabo de dar a volta ao mundo em uma moto”. O interlocutor sorriu despreocupado e disse: “Ah, que bom”. Segundo Rogers, impressionar um Nova Yorkino não é fácil.




A paixão de Rogers pelo fenômeno chinês provavelmente nasceu nessa viagem. Enquanto a Rússia lhe pareceu um caos étnico com forte tendência a sair do eixo, a China o impressionou, pois viu nesse país a possibilidade de que, se eventualmente se dividisse em diferentes unidades, estas seriam compactas e homogêneas. Comprovou também que os emigrantes chineses que dispunham de muito capital e tinham décadas de conhecimentos vitais e técnicos a respeito do mundo capitalista, estavam se transformando em um fator central da decolagem: a China os recebia de braços abertos. A capacidade de poupança, de trabalho e de buscar as metas com disciplina parecia apontar para um desenvolvimento seguro que acarretaria mudanças políticas também. Pouco depois, Rogers registraria sua visão da China – para ele, a grande potência econômica do século 21 – em seu fascinante livro “A Bull in China”.





Como outros perceberiam bem mais tarde, ele viu em Botswana uma promessa atraente. Depois de meses lidando com uma labiríntica e irritante burocracia africana – imagine o que deve ter sido para esse gringo cruzar o continente em uma moto desafiando guerras, ditaduras e conflitos de tribos -, encontrou nesse país do sul da África algo muito diferente. O ambiente receptivo e hospitaleiro do lugar o surpreendeu. Bastou que cruzasse a fronteira para se dar conta de certas coisas: entre elas, de que havia menos regulamentação e entraves que o restante do continente. Notou no país certa prosperidade: construção, parque automobilístico dinâmico e um espírito empreendedor à flor da pele. Ficou sabendo que havia uma bolsa nova e que o governo e a oposição tinham conseguido chegar a um consenso sobre o nascente mercado de capitais. Viu que os preços eram baixos comparados com os dividendos que as empresas pagavam a seus donos, o que indicava bom lucro. Vislumbrou uma economia que se beneficiaria da proximidade com a África do Sul, o motor da África. Portanto, decidiu, antes de partir, investir algum dinheiro ali.

Na América Latina, notou que havia esperança: os controles de câmbio tinham sido eliminados total ou parcialmente. Notava-se uma maior hospitalidade para os capitais e um processo de privatização que acabaria dinamizando as empresas e, portanto, o mercado de capitais. Mas em muitos lugares ainda havia lentidão, falta de consenso político e certa oposição que ameaçava reverter os avanços até então conquistados. Na maioria dos países latino-americanos, foi bem mais prudente, optando por esperar que as coisas estivessem mais claras.




Rogers repetiu a volta ao mundo em 1999, mas desta vez em um Mercedes especialmente climatizado, com o qual fez aproximadamente 160 mil quilômetros. Levou um pouco mais de tempo do que a vez anterior. A viagem, que fez com sua companheira Paige Parker, vinte e seis anos mais nova que ele e com quem mais tarde se casou, durou quase três anos e começou na Islândia. As possibilidades de investimento, em um mundo que tinha sido globalizado, eram maiores do que na década anterior. Não surpreenderá ninguém saber que o nome do viajante financeiro Jim Rogers foi eternizado no Guinness Book of World Records.





Basicamente, a estratégia de Rogers nos Estados Unidos é parecida com a que emprega no exterior, só que em vez de enfocar países, mira nas indústrias. Seu método consiste em desenvolver o que ele chama de um “esmagador conceito de investimento”, baseado em “mudanças que não tenham sido descobertas pelos demais”. Essas mudanças estão mais ligadas às tendências “seculares” do que aos ciclos econômicos – isto é, o pêndulo entre o auge e a recessão. Gosta de identificar aquilo que se sairá bem em médio e longo prazos com base em uma dinâmica muito anterior que poucos notaram, especialmente quando a economia está em baixa e ninguém está interessado em setores com sucesso potencial.




Foi o caso, por exemplo, do petróleo na década de 1970, época de recessão econômica. No entanto, as tendências seculares de que falam Rogers trouxeram prosperidade para essa industria que, de certa forma, tem continuado próspera até hoje. E quando percebe que um setor tem crescimento potencial, busca empresas aparentemente em más condições. Se uma companhia está quebrada, mas não fechada, não deve ficar assim para sempre, desde que o setor esteja impulsionado por tendências evidentes que Wall Street, com sua pressa gananciosa, demorará a notar.

Rogers, tem feito fortunas detectando a tempo certas tendências sociais. Por exemplo, quando nos anos de 1970 as mulheres começavam a abandonar a maquiagem excessiva dos anos anteriores, analisou a empresa Avon Products e se deu conta de que era absurdo que estivesse cotada a setenta vezes os benefícios, uma sobrevalorização grosseira. Vendeu a ação “a descoberto” por US$ 135, apostando que o preço cairia e no ano seguinte obteve volumosos rendimentos  quando, efetivamente, as ações desabaram para US$ 25.




Em 1969, percebeu, ao assistir a uma convenção sobre lixo – que outro investidor dedicaria tempo à semelhante reunião? -, que estava surgindo uma nova concorrência para o duopólio que dominava o negócio, município e máfias. Os delegados, alguns dos quais eram o tipo de indivíduo que é preferível não encontrar em uma rua escura, olhavam para ele embasbacados com a presença de um homem de finanças.

Outro exemplo: se na década de 1950 a palavra “motocicleta” era sinônimo de classe social baixa, na de 1960 as coisas mudaram tanto que a Honda se deu ao luxo de fazer uma publicidade com o slogan: “Conheça as pessoas mais interessantes em um Honda”. Comprar ações a tempo de se beneficiar da mudança de tendência no status social das motos trouxe a Rogers excelentes ganhos. Em outro momento, observou que os hotéis deixavam de ser negócios independentes e começavam a surgir conglomerados que os concentravam em entidades maiores. O investimento de Rogers nesse ramo rendeu lucros estupendos.




Outra tendência secular que Rogers já leva tempos tirando proveito: os governos sempre tentaram resolver seus problemas dando dinheiro a torto e a direito. Em 1974, tornou-se o maior investidor externo da Lockheed quando correu um forte rumor de que a companhia quebraria. Ele tinha visto, durante a guerra árabe-israelense de 1973, qua a força aérea egípcia havia tido bastante êxito contra Israel, ainda que o Estado Hebreu tivesse melhores aviões e pilotos. Pesquisou e descobriu que os egípcios possuíam aparatos eletrônicos soviéticos que os norte-americanos não puderam fornecer para Israel, pois não tinham desenvolvido tal tecnologia. O motivo? Durante a guerra do Vietnã, os EUA se concentraram nos provimentos do dia a dia e não no desenvolvimento tecnológico de longo alcance. Era presumível que, frente à vantagem soviética posta em evidência pela guerra árabe-israelense, os Estados Unidos buscassem atualização em matéria de defesa eletrônica. A Lockheed contava com certa tecnologia que de saída já lhe dava uma vantagem.

As ações da Lockheed eram vendidas tão baratas por causa dos rumores de quebra, e era lógico pensar que a recuperação estava a um passo que Rogers comprou ações de maneira massiva. A análise revelou-se certeira: as ações subiram de US$ 2 para US$ 120. Apostar na Lockheed não quer dizer que ele desdenhasse do restante do setor. Tratou de descobrir quem era o maior concorrente da Lockheed, disseram que era a E-systems, uma companhia muito pouco conhecida. Depois de estudá-la, compreendeu que se beneficiaria também com a decisão do governo de investir em tecnologia defensiva e a julgou subavaliada. As ações que comprou subiram de US$ 0,50 para nada menos que US$ 45.

Nada disso era resultado de rápidas e superficiais análises da conjuntura ou de relatórios de curto prazo de corretores da bolsa, ansiosos para vender produtos financeiros a investidores ingênuos. Rogers lia quarenta jornais e revistas dos mais variados tipos, além das publicações da entidades setoriais. Era preferível fazer pessoalmente sua própria pesquisa a se deixar levar pelo frenesi cotidiano da bolsa, incluindo os analistas das grandes firmas de investidores, sempre atentos ao aqui-agora e alheios aos fundamentos.

Sua obsessão por nadar contra a corrente era tal que, quando notava que os formandos das universidades se empenhavam muito para conseguir trabalhar em determinado setor, decidia que era hora de apostar contra ele: esse dado sugeria que essa indústria estava altamente sobreavaliada. Quando se deu conta de que a grande ilusão dos graduados da escola de negócios de Harvard era trabalhar na Atari, a empresa que fazia videogames, colocou-a em sua lista, julgando-a candidata ao desastre. Efetivamente, três anos mais tarde ela caiu em ruínas.




Ainda que Rogers observe os balanços patrimoniais e os lucros, os primeiros são especialmente importantes para ele. A razão, no seu caso, é que gosta das empresas quebradas, ou à beira da falência, que tenham perspectivas de recuperação. Se a depreciação, que nos balanços figura como um custo que vai, ao longo de vários anos, amortizando o investimento da empresa em plantas e equipamentos, dissimula importantes fluxos de caixa que a empresa está gerando, pode ser sintoma de que essa companhia sobreviverá à crise que atravessa.

Por que? Porque o montante que figura como despesa sob conceito de “depreciação” não é uma despesa atual, mas sim uma anterior que simplesmente, para efeitos da contabilidade, foi dividida em vários anos, incluído o que está em curso. Portanto, pode ter ficado dinheiro importante no caixa que o lucro líquido, onde a depreciação tem impacto já que infla os custos, está ocultando.




Mesmo assim, Rogers observa atentamente as despesas de capital, isto é, os investimentos que a empresa faz. Quando o total de investimentos de capital (que inclui manutenção e expansão) é muito superior à depreciação, quer dizer que pode ter um excesso de despesa de capital e, portanto, que a indústria tem investido mais do que a demanda permitirá sustentar no futuro próximo. Em outras palavras, pode significar que o período de auge esteja chegando ao fim.

Quando acontece o contrário, isto é, a indústria não está gastando muito em investimento de capital, é sinal de boas notícias: a baixa oferta de bens ou serviços produzidos por ela como resultado da queda de seus investimentos de capital implicará incapacidade para satisfazer a demanda e, portanto, em aumento de preços. O que trará novos investimentos estimulados pela perspectiva de aproveitar essa demanda insatisfeita no futuro. Ou seja: pode ser o começo de um período de auge.




Se recentemente você viu Rogers sendo entrevistado pela Bloomberg ou pela CNBC ou leu declarações suas em alguma publicação financeira – com sua indispensável gravata borboleta, bondade enganadora e declarações incendiárias -, seguramente o ouviu falar de produtos básicos, as célebres commodities (produtos básicos ou matérias-primas). Ele vem acompanhando-as há décadas e está convencido de que o ciclo de ascensão da agricultura, dos metais e dos minerais vai perdurar um bom tempo ainda.




Há pouco tempo, criou seus próprios índices (o mais conhecido é o Rogers Internacional Commodity Index) e hoje é possível ter participação em fundos de investimento que acompanham o preço dos produtos neles incluídos. É uma forma de comprar produtos agrícolas, minerais e metais sem ter que estudar ou adquirir ações de cada empresa.




Os índices de Rogers atribuem um peso aos produtos em função de sua avaliação do que as tendências em médio e longo prazo acarretarão para cada um. Acredita que os outros índices, por meio dos quais é possível investir em uma cesta de Commodities, não distribuem de maneira adequada os pesos entre os diferentes produtos nem em função das grandes tendências. Em 2011, Rogers consolidou um novo índice através do BBVA, na Espanha.




Seu entusiasmo – nascido da análise da relação entre as forças universais da oferta e da procura, hoje altamente influenciadas pelo aumento em massa da classe média na China, na Índia e no Brasil, a escassez de terras disponíveis e ausência de novas descobertas de minérios – manifesta-se em produtos como o suco de laranja, o azeite, a batata, o açúcar, o ouro, a prata, a soja, o milho, entre outros.  Em certos momentos, Rogers compra assento nas bolsas onde se negociam produtos agrícolas para ganhar dinheiro cobrando um benefício pela intensa atividade investidora. Fez isso, por exemplo, na do açúcar.

Não é raro vê-lo na televisão recomendando ao público a compra de terra cultivável, ainda que, segundo sua explicação, seja muito difícil consegui-las, já que não estão tão baratas nos EUA ou porque o investidor médio não tem conhecimento da situação em outros países. Ele mesmo se vinculou como assessor e investidor a dois fundos de investimento, o Agcapita e o Agrifirma, que oferecem a certos tipos de investidores condições para participar do negócio da terra cultivável sem comprá-la diretamente. Em todo caso, Rogers prevê uma era de alta inflação na qual a agricultura e os metais constituirão uma férrea proteção contra o envelhecimento da moeda, bem como uma longa era de oferta insuficiente para uma demanda que cresce com a ascensão das classes médias nas potências emergentes.





Seu livro Hot Commodities: Investing Profitably in the World’s Great Markets explica em detalhes as grandes tendências: “O poder está virando outra vez dos centros financeiros para os produtores de coisas reais”, afirma. Vem daí a grande promessa dos produtos primários para os próximos anos. “Aqueles que desfilarão de Mercedes, abraçados com uma garota estonteante e carregando um charuto na boca”, diz com freqüência, “serão os agricultores, não os financistas”.




Antes de ter – com mais de sessenta anos – duas filhas com sua jovem esposa, Rogers tinha decidido deixar muito dinheiro para as universidades de Yale e Oxford, a fim de criar uma bolsa por meio da qual os estudantes receberiam uma ajuda generosa desde que se comprometessem a passar 75% dos dois anos seguintes fora de seu país. A recomendação para eles, se quisessem ser investidores, seria não estudar nas escolas de negócios e ao invés disso optar por matérias como História, Filosofia e Literatura. Também deveriam passar um tempo fazendo autostop ou trabalhando de garçom para aprender como funciona o mundo real. Mas os planos mudaram com o nascimento de suas filhas. Rogers ficou bobo como se fosse avô e escolheu fazer delas sua grande prioridade. Decidiu que ele e sua recente família deviam viver em um ambiente chinês e que suas filhas deviam ser criadas em mandarim tanto ou mais do que em inglês.




Nesse momento, as características do regime chinês não aconselhavam que se instalassem na China (ele acredita que a abertura econômica levará a abertura política, como aconteceu em Taiwan e na Coréia do Sul), mas tinha uma maneira indireta de conseguir isso: encontrar um país onde a população de origem chinesa, os canais de comunicação com a china e as garantias jurídicas permitissem experimentar o fenômeno asiático sem estar fisicamente naquele país de forma permanente. Por isso, em dezembro de 2007, Rogers vendeu sua mansão nova-iorquina por cerca de US$ 16 milhões e se instalou em Cingapura, de onde viaja por toda Ásia dando conferências sobre suas convicções financeiras e o futuro deste continente.

“Se você fosse inteligente em 1807, mudaria para Londres; se fosse inteligente em 1909, mudaria para Nova York; se é inteligente em 2007, mude para a Ásia”, sentenciou ao mudar-se para Cingapura.