Investir não é uma ciência exata. A criatividade individual e o acaso também
estão presentes. Mas o estudo dos fatos
reais é o que dá a maior proteção contra os riscos. A análise, disse Graham,
está calcada no valor determinado por fatos e não naquele que fica na
dependência de expectativas. O enfoque do analista é diametralmente oposto ao
do especulador, cujo sucesso mora na habilidade para fazer prognósticos ou
adivinhar acontecimentos futuros.
Por que a análise é importante? Porque uma
ação não é um mero símbolo do ticker
da Bolsa ou uma luzinha eletrônica, como creem os que compram e vendem
enlouquecidamente. Ela representa o interesse do proprietário, por minúsculo
que seja, no negócio da empresa. Para comprar uma parte ínfima do negócio, ou
do negócio inteiro, analisa-se o que ele vale, independentemente do vaivém
hipnótico dos preços da bolsa.
Enquanto o mercado financeiro é um pêndulo
que vai do otimismo ao pessimismo, o investidor inteligente, conforme ensinou
Graham, é um realista que vende para os otimistas e compra dos
pessimistas. Mas não se deve fixar o
valor das ações em função da Bolsa:
deve-se usá-la apenas para comprar ou vender em função do cálculo desse
valor. É por isso que “o investimento é
mais inteligente quando feito como negócio”, segundo uma frase famosa de
Graham que Buffett tem repetido à exaustão. Porque a primeira regra, como nos
lembra a Escola de Valor, é não perder dinheiro e a segunda, não perder
dinheiro. Para isso é preciso focar no
negócio, não na Bolsa.
Ben Graham - à direita
O preço da ação hoje, amanhã ou depois de
amanhã é uma mera distração. O que
importa é se o negócio vale mais do que o seu preço e se continuará valendo
mais do que oferecem por ele quando subir de preço. Nesse sentido, como tem escrito Peter Lynch,
é um absurdo que os grandes investidores institucionais – fundos de
investimento, fundos de pensão e bancos – frequentemente evitem comprar certas
ações porque não tem muita liquidez, ou seja, não são fáceis de vender. Isso é, ele acrescenta, tão absurdo quanto se
casar apenas se a papelada do divórcio já estiver providenciada. Como nove em cada dez empresas cotadas na
Bolsa são pouco negociadas, se o indivíduo eleger apenas a que pode vender
rapidamente, suas possibilidades diminuem.
Um dos maiores males financeiros é o costume
de investir no que está na moda. Ao
longo do tempo e graças à tecnologia, diferentes indústrias surgiram,
modificando a economia numa sociedade.
Naturalmente, atraíram muito capital.
Entre as indústrias de transformação estiveram o rádio, os automóveis,
as linhas aéreas e, mais recentemente, a biotecnologia e a internet. Em todos
os casos, os investidores pensaram que havia espaço para todos e, portanto,
lucros incessantes, provocando com isso um aumento de preços das ações dessas
indústrias, o que por sua vez atraiu a novos e maiores investidores. Nos mais variados setores, a moda eliminou o
senso de realidade: pagavam-se fortunas pelas ações das empresas em voga
achando que os lucros ilimitados do futuro justificavam qualquer preço. Inevitavelmente,
a maioria das empresas que estavam na crista da onda quebrou, arruinando os
especuladores que não investiram com base na análise, e sim na moda.
Paradoxo interessante: as indústrias que
desenvolvem as sociedades mediante grandes avanços da tecnologia com frequência
são onde um investidor de longo prazo menos deve focar, pois é muito difícil
saber quem sobreviverá no meio do excesso de capitais ávidos por sucesso.
Um setor pode crescer 50% ao ano e pode
acontecer, ao mesmo tempo, que diferentes companhias, devido à concorrência
fechada, não ganhem muito dinheiro. Se
alguém tivesse o dom de apontar, no auge da moda de um setor, a empresa ou as
empresas que superarão a concorrência provocada pela febre investidora,
ganharia muito dinheiro. Quando isso ocorre, não é a análise, mas sim a
quiromancia que determina o sucesso do investidor.
Ninguém podia garantir que entre 2004 e 2008
as ações do Google, o gigante da informática, emblema da era cibernética,
subiriam 50% ao ano, pois no inicio dessa década não havia como, mediante
análise, garantir que a companhia obteria rendimento em um campo por definição
ainda incipiente, sujeito a mudanças constantes e a uma concorrência
intensa. Portanto, não é que a moda impeça
de ganhar dinheiro: o que impede é se proteger com razoável segurança do risco
de perdê-lo.
O mesmo já tinha acontecido com os aviões e
as ferrovias. Sim, as ferrovias mudaram
o mundo. Mas quem comprou ações quando elas entraram na moda tiveram, em longo
prazo, muitos resultados ruins. Por mais que a indústria tenha experimentado um
BOOM antes e depois da Primeira Guerra Mundial, os benefícios reais dessas
empresas não aumentaram significativamente: havia muita concorrência. Nos anos
seguintes, financiaram-se emitindo bônus, isto é endividando-se, porque não
lucraram o suficiente para tornar a emissão de ações atraente. A maioria quebrou entre os anos de 1920 e
1930.
Recentemente, as tecnologias de ponta tem
produzido novos setores, nos quais também vimos empresas subirem e caírem o
tempo todo, arruinando seus investidores (salvo aqueles que adivinharam quais
ganhariam muito dinheiro em curto prazo).
Há quarenta anos, a Xerox inventou a fotocopiadora de escritório e era
uma companhia da moda. Seu preço subiu
tanto que chegou a ficar cotada a um preço quarenta vezes maior do que seus
lucros, o que quer dizer que os investidores estavam dispostos a pagar quarenta
vezes o que produzia o negócio anualmente.
Um absurdo!
Se avaliassem que, nos últimos duzentos anos,
o preço das ações tem sido, em média, quinze vezes maior do que os lucros das
empresas, é óbvio que comprar ações da Xerox a esse preço pareceria
grotesco. No início da década de 1970,
ela parecia o futuro encarnado. Mas, exatamente por isso, todo tipo de
concorrente entrou no mercado, incluindo a IBM e várias companhias japonesas,
que causaram danos aos planos da Xerox. Pela falta de vantagem competitiva e,
portanto de aumento de lucros, a ação da Xerox acabou perdendo 85% do seu
valor.
Em nossos dias, a Nokia, o grande conglomerado
finlandês, teve uma experiência parecida em outro setor. Publicaram-se livros (por exemplo, Como a Nokia mudou a cara do celular)
celebrando seu sucesso transformador entre os anos 2004-2009. E o que aconteceu? Simplesmente, o setor
ficou repleto de concorrentes atraídos pela perspectiva de ganhos ilimitados:
outra vez, a maldita moda. Em 2011, a
empresa entrou em crise que levou os analistas a se perguntarem se ela poderia
sobreviver e os próprios responsáveis pela companhia passaram a redesenhar toda
a estratégia. Moda, dizia Salvador Dali,
é o que está fora de moda. Nas finanças
também.
A fatia do mercado de celulares da Nokia, que
três anos antes era líder, tinha passado a ser assediada pela Apple (que nunca
antes tinha se metido no ramo de celulares) e outros concorrentes como a
Samsung. A crise provocou tal trauma na
antes rainha das telecomunicações que ela decidiu mudar de capitão – colocando
um ex-executivo da Microsoft na liderança -
e anunciar o impensável: que estavam dispostos a usar um sistema
operacional diferente em seus telefones, o da Microsoft, em lugar do que eles
mesmos produziam. Isso apesar de terem
chegado a controlar em 2007, 80% do mercado de celulares.
O mesmo que aconteceu com a Nokia atingiu
centenas de empresas de telefonia, ferrovias, aeronáuticas e outros setores que
mudaram para sempre a forma de transporte, comunicação e negociação dos
terráqueos, mas que constituíram um péssimo negócio pelo excesso de moscas na
sopa: nas indústrias de tecnologia de ponta, tudo é muito volátil porque leva
muito tempo até uma empresa, ou um punhado de empresas, consiga estabelecer uma
posição definitiva diante da abundância de concorrentes que querem replicar ou
superar o rendimento dos pioneiros. Por definição, as tecnologias de ponta são
mutáveis e abertas a novos participantes. Portanto, do ponto de vista do
investimento, trata-se de um verdadeiro quebra-cabeças: impossível saber quem
vai dominar a partida quando a moda está em seu ápice.
É curioso, mas da mesma forma que não se ganha
dinheiro investindo em empresas da moda, é possível que elas fiquem muito
atraentes quando saírem dessa fase. Exemplo óbvio disso são os cigarros. Uma
vez que as intensas campanhas sociais e governamentais imprimiram um estigma
sobre a indústria, tornou-se politicamente correto rechaçá-la. Quietinha, a
Philip Morris continuou ganhando fabulosas quantidades de dinheiro ano após
ano, justamente porque foi ficando cada vez mais sozinha. Quem em sã
consciência iria querer investir na fabricação de cigarros e competir com os
que continuavam nesse negócio censurável? Tal vantagem permitiu a Philip Morris
elevar os preços de seus cigarros e baixar seus custos periodicamente,
aumentando suas margens sem medo da concorrência. Aqueles que compraram suas
ações, que estavam fora de moda, fizeram a festa.
Para nadar contra a corrente é preciso ter um
temperamento especial. Por isso não há investidor da Escola de Valor que não
faça referência à importância suprema desse fator na hora de decidir sobre um
investimento. Como os demais
investidores se comportam é muito menos importante do que seu comportamento.
Segundo Peter Lynch, seja qual for o método
que você use para decidir em qual fundo mútuo coloca seu dinheiro, no final seu
sucesso ou fracasso dependerá da sua disposição para ignorar as preocupações
com o mundo durante tempo suficiente para que seus investimentos prosperem. Se
deixar que as emoções guiem suas decisões de investimento, ficará muito difícil
tirar proveito dos erros, motivados pelo excesso de emoção, dos demais
investidores.
Charlie Munger & Warren Buffett
Charlie Munger, o famoso sócio e número dois
de Warren Buffett, levou anos falando dos aspectos psicológicos da finanças
antes que a escola financeira baseada no comportamento, Behavioral Finance,
desse a isso um prestígio acadêmico. Mas a tal disciplina acadêmica faz, de
certa forma, o mesmo que Munger vem fazendo há décadas: explica a
irracionalidade da conduta financeira das pessoas. Tal abordagem tem como base
interessantes constatações como a de que os investidores sofrem duas vezes mais
perdendo dinheiro do que se alegrando quando ganham. Por isso vendem o que cai,
mesmo que seja bom, e seguem o rebanho, porque precisam se sentir menos
sozinhos quando algo parece apetitoso.
Por outro lado, para quem tem temperamento de
investidor nada substitui a análise. Uma boa análise é uma rocha à qual se pode
agarrar nos momentos de maior tempestade. A análise é melhor do que qualquer
outra coisa, incluindo a informação
privilegiada, como demonstraram todas as quebras da bolsa ao redor do mundo,
nas quais sempre perderam muito dinheiro as pessoas que possuíam, como em 1929,
blocos de ações de suas próprias empresas compradas com dinheiro emprestado.
Quando falo de análise, claro que não me
refiro ao tipo de análise – conhecida como técnica – utilizada pelos traders, esses que compram e vendem
todos os dias sem saber realmente o que estão negociando e agem apenas porque
os gráficos de seus computadores, com base nos preços saltitantes das ações e o
volume de títulos negociados, identificam alguns padrões – representados por
sedutoras listas e desenhos espalhados pela tela do computador – que os fazem
acreditar ser possível prognosticar o que vai acontecer de imediato.
Não digo que observar o histórico dos preços
de uma ação por meio de um gráfico não tenha utilidade. Digo que basear a
compra ou a venda nessas movimentações é absurdo, assim como os modelos
informatizados que muitos investidores institucionais usam para investir, com
algoritmos que automaticamente disparam ordens, provocando frequentemente
verdadeiros desastres (por exemplo, quando aceleram a queda de uma ação que
tenha perdido alguns níveis por pura reação pavloviana). Se alguém observar
durante muito tempo uma quantidade determinada de dados, no final sua mente
detectará certos padrões. E esses padrões farão com que acredite ser possível
antecipar o que virá depois. As fórmulas
de investimento automático baseadas em modelos estatísticos fracassam por isso.
A única análise que serve é a que estuda a
qualidade do negócio, sua posição competitiva, seu gerenciamento, como se
financia, qual porcentagem de seus lucros é repartida como dividendos entre os
acionistas e qual é reinvestida, se cria ou destrói valor e se tem uma história
de rendimento sustentado. Só assim é razoavelmente seguro fazer projeções sem
devanear sobre as perspectivas em longo prazo.
Em última instância, a pergunta que o
analista responde é simples: o que faz essa ou aquela empresa ganhar dinheiro
e, portanto ter valor? Se ganha dinheiro porque adquire outras companhias
pagando muito por isso, faz um mau negócio, se por outro lado, cresce porque
tem conseguido manter uma postura competitiva, é um bom sintoma de qualidade de
gerenciamento e vantagem competitiva. Não se trata de saber se no ano em curso
a empresa está ganhando dinheiro, pois pode ser um momento excepcional. A
questão é saber qual a sua capacidade de gerar lucros em condições normais e de
forma sustentada.
Costuma-se pensar que o grande investidor
aplica em negócios complexos e difíceis. É o contrário: costuma investir em
coisas simples que os pretensos sofisticados ignoram, ou seja, empresas
insépidas que vendem comida, utilidades domésticas, etc. O analista, como diz
Graham, busca uma “estabilidade inerente” ao negócio: quanto menos
sobressaltos, melhor. Paradoxalmente, os
negócios onde há mais aposta pela mudança são os que têm mais riscos e oferecem
menos garantias para o investidor. Já
aqueles resilientes e, portanto, estáveis são os que permitem prever se no
futuro o rendimento do passado será mantido. Trata-se de fatores mais
qualitativos do que quantitativos. O especulador foca no resultado do último
trimestre, se observa um salto nos lucros, conclui que a empresa é boa e compra
ações sem ponderar se o que está em questão é um salto excepcional ou se o
negócio é volátil por natureza. O investidor faz o contrário: o último
trimestre é o que menos interessa.
Peter Lynch
Lynch cita o exemplo da empresa cuja ação
mais se valorizou na história do capitalismo fabricando algo tão simples como
uma torneira de forma arredondada com apenas uma haste para controlar o fluxo
d’água.
Trata-se da Masco Corporation, negócio tão estável, liderado por uma
empresa tão bem posicionada que seus ganhos aumentaram sem parar em todo tipo
de circunstância – guerras, recessões – durante a convulsiva segunda metade do
século 20. E como seus lucros se multiplicaram cerca de oitocentas vezes, entre
1958 e 1987, a ação subiu de preço 1.300 vezes. Imagine como seus amigos teriam
debochado de você se dissesse a eles que tinha ações de um fabricante de
torneiras de apenas uma haste enquanto eles apostavam nas tecnologias que estavam
revolucionando o último meio século?
Pois é, com o tempo, você teria rido por último.
O mesmo aconteceu com a Coca-Cola, negócio
simples até não poder mais, que consiste em comprar commodities e combiná-las
para fabricar um concentrado vendido para engarrafadoras, que por sua vez,
combinam-no com outras substâncias e depois vendem o produto aos varejistas (a Coca-Cola possui também marcas como Diet
Coke, Sprite, Fanta, Mello Yello, Minute e Powerade e é dona de algumas
engarrafadoras e em certos casos vende seu xarope diretamente para alguns pontos
de venda). Vem fazendo o mesmo desde a década de 1880. Mesmo que, de quando
em quando, adquira outros negócios ou diversifique um pouco sua oferta, seu
negócio principal é de uma estabilidade eterna.
O fato de apostar em negócios estáveis não
significa que os Value Investors desprezem as empresas que registrem muito
crescimento. Mas, diferentemente de quem investe de olhos fechados nos negócios
da moda que subitamente crescem muito, eles querem saber se o preço é caro e
questionam se esse crescimento é sustentado, ou seja, se a empresa, para manter
valor não está perdendo-o em vez de gerá-lo. O motivo desta dúvida é que se uma
empresa reinvestir seus ganhos automaticamente, sem prudência, como parte de
uma estratégia de crescimento afobado, pode obter uma rentabilidade menor do
que custa o capital que está reinvestindo.
Durante um tempo, o reflexo irreal do
crescimento galopante faz parecer que a empresa reinvestiu bem seus lucros, mas
depois se depara com a amarga realidade. Não é o crescimento que dá qualidade
ao negócio: é a qualidade do negócio que gera crescimento. Na maioria dos casos
– a exceção é justamente em negócios de qualidade com a capacidade competitiva
-, o crescimento atrairá concorrentes que farão diminuir a rentabilidade da
empresa que acreditava estar galopando rumo ao céu. O crescimento excessivo
nunca é sustentável a longo prazo, entre outras coisas, em virtude da lei dos
retornos decrescentes. Não é possível crescer eternamente porque chegaríamos ao
absurdo de uma empresa se tornar maior do que a totalidade da produção global.
Buffett definiu a proposta de empresa que
sabe estabelecer uma vantagem competitiva como “franquia”. A franquia é um
monopólio – alguém tem o direito exclusivo de representar uma marca em um
determinado território -, de maneira que, na premissa de Buffett, a empresa
ideal para um investidor é aquela que tem uma posição dominante em sua área,
protegida do assédio da concorrência. É a isso que ele chama moat, o fosso com crocodilos que
separava o castelo medieval de seus inimigos e o protegia de ataque externo.
Buffett não se refere necessariamente a um
monopólio protegido pelo governo, mas sim a uma posição dominante conseguida
por diferentes motivos. Por exemplo, as empresas nas quais a marca e o produto
são virtualmente indissociáveis – como a Coca-Cola – oferecem ao investidor
muita segurança porque estão rodeadas por um fosso quase intransponível.
Desenvolver uma marca a partir de um produto
competitivo – como o McDonald’s – e oferecer serviços e produtos repetitivos,
aos quais o cliente retorna, são abordagens que dão força competitiva à
empresa. Em 1895, quando trabalhava na Crown Cork Factory, um tal King Camp
Gillette se deu conta de quanto os produtos descartáveis eram úteis. Reparava
como os consumidores jogavam as tampas das garrafas, com a cortiça fabricada
por sua empresa. Um dia, barbeando-se, pensou que seria útil ter uma navalha
descartável. Ele passou os oito anos seguintes desenvolvendo e estabelecendo a
produção das lâminas e primeiros produtos que levaram o seu nome.
Durante a Primeira Guerra Mundial, o
fabricante forneceu aos soldados 35 milhões de navalhas e 36 milhões de lâminas
de barbear. Ao voltar da guerra, os soldados continuaram precisando do seu
produto. Assim se formou uma das marcas mais famosas do mundo. Com o tempo, a
própria marca fez da Gillette um negócio do tipo que Buffett gosta: previsível,
repetitivo, simples e altamente atraente, que dava ao fabricante um fosso protetor
contra a concorrência. O Oráculo de Omaha ganhou muito dinheiro comprando ações
da Gillette e mantendo-as indefinidamente. Era um exemplo perfeito do que
define como franquia: um produto ou serviço necessário ou desejado que não tem
um substituto que se aproxime e não esteja sob regulação.
Nem sempre uma marca é o que dá ao negócio
sua vantagem competitiva. Há outras formas de ganhar um espaço inacessível. Uma
delas é ser muito caro para o cliente mudar de fornecedor: os bancos nas quais
o indivíduo tem conta, financiamento e dívidas, por exemplo, ou uma empresa
como a Alcon, que vende aos oftalmologistas e oculistas produtos para os olhos
– para esses profissionais seria complicado ter de aprender a usar produtos
diferentes, fabricados por outra companhia.
Outra maneira de ganhar competitividade é o
efeito “rede”, pelo qual todo novo usuário aumenta o valor do produto para os
usuários já existentes. O telefone, em sua época, ou o Facebook, em nosso
tempo, são dois exemplos. Por último, uma empresa pode conseguir uma grande
vantagem graças a seus baixíssimos custos: competir com ela significa quebrar,
pois é necessário diminuir os preços a um nível tão baixo que impede as margens
de lucros necessárias.
Para Buffett, existem dois tipos de empresas:
uma é a que vende produtos indiferenciáveis, como se fossem commodities.
Nestes, a única maneira de superar a concorrência é baixando o preço. A outra é
a que goza de uma vantagem competitiva durável. Esta pode se dar ao luxo, por
sua situação privilegiada, de praticar preços como se não tivesse concorrência.
Este segundo tipo de empresa, protegida pelo fosso medieval, ganha dinheiro de
duas formas: aumentando as vendas (uma intensa rotatividade do estoque) ou com
grandes margens nas vendas, graças às quais pode fixar preços elevados sem medo
de perder clientes ou consumidores.
São exemplos dos primeiros tipos de empresa –
que vende algo indiferenciável e compete apenas baixando preços – os portais e
provedores da internet, fabricantes de chips de memória, as companhias aéreas,
os produtores de milho, arroz, petróleo ou aço, os fabricantes de automóveis,
papel ou madeira. Nesse tipo de negócio,
as empresas vão bem nos momentos de auge e mal em tempos recessivos. Mesmo que
ganhem dinheiro, têm que constantemente usar boa parte de seus ganhos para
modernizar suas plantas e equipes ou investir em pesquisa e desenvolvimento,
para se defender da concorrência e não para expandir o negócio. A única
possibilidade de realmente ganhar dinheiro com esse tipo de negócio é fabricando
o produto pelo mais baixo custo.
Por outro lado, os negócios que têm uma
vantagem competitiva durável são os que garantem o maior benefício para os
acionistas, pois podem expandir a fortuna de seus donos e não só mantê-la. Se
uma empresa tem que, o tempo todo, ampliar seu capital para investir mais, pois
caso contrário não pode sustentar sua posição, o dinheiro que entra não irá
para o bolso dos acionistas.
Durante oito décadas, a Hershey’s, fabricante
de chocolates, não mudou. Por sua vez, a Intel, o fabricante de chips e
plataformas digitais feitas a partir de circuitos integrados, precisa gastar
toneladas de dinheiro para inovar seus produtos e assim poder manter a sua
posição, caso contrário a Motorola, a Advance Micro Devices e outros concorrentes
a engolem. Para o investidor, a entediante e repetitiva Hershey’s tem sido, ao
longo de décadas, muito melhor negócio do que a Intel, que tem oscilado entre o
resplendor e a escuridão de tempos em tempos.
Um negócio que a priori não goze de posição competitiva
pode chegar a tê-la, como aconteceu com os jornais regionais nos EUA (hoje,
após décadas de sucesso econômico, estão com a corda no pescoço, mas quem
investiu há anos ganhou muito dinheiro). Também pode acontecer, em um setor de
produtos aparentemente indiferenciáveis, que algumas empresas consigam criar um
nicho. O melhor exemplo são os carros de luxo, como a BMW ou Porsche, que podem
cobrar preços de doer, pois o público quer a marca.
Um negócio sólido com vantagem competitiva é
só a primeira parte da análise. O preço da ação é a outra. Uma ação cara supõe
uma alta expectativa de lucros futuros. O analista, explica Graham, deve levar
em conta os benefícios futuros, mas menos para se beneficiar do que para se
proteger deles. Não se deve comprar ações, dizia Schloss, como se compra um
perfume, mas sim como se compra verduras.
O investidor julga o preço a partir de alguns
padrões de valores estabelecidos, enquanto o especulador baseia seus padrões de
valor no preço do mercado. Comprando barato algo que vale mais, em longo prazo,
ganha-se dinheiro, porque há uma correlação entre os ganhos da empresa e o
preço de suas ações: entre 1950 e 2000, os ganhos das corporações
norte-americanas aumentaram cinquenta vezes e os preços das ações que compõem o
índice da bolsa, sessenta vezes.
Ao escolher empresas para investir, você deve
assegurar-se de que tenham capacidade de gerar ganhos sólidos e de uma maneira
estável, mas também que o preço seja adequado. A combinação de ambos os
aspectos cedo ou tarde rende. Uma empresa sólida e com ganhos estáveis pode
fazer com que seus acionistas ganhem muito, inclusive se houver recessão ou se
a bolsa tiver rendimentos muito ruins.
Durante as imensas recessões dos anos de 1970
e 1980, a Taco Bell, rede de comida mexicana, valorizou-se espetacularmente. A
Dreyfus, empresa financeira, viu suas ações aumentarem de preço cerca de cem
vezes, entre 1977 e 1986, período com vários anos horríveis para a bolsa.
Nesses e em outros casos, se você comprasse algo bom por pouco dinheiro, o
sucesso sorriria para você, apesar do clima pesado no mercado.
Quando se paga muito pelas ações de uma boa
empresa que dá lucros, o preço da ação pode não aumentar porque o preço alto já
reflete os ganhos futuros. Em 1998, a
ação da Coca-Cola valia US$ 89, mas dez anos depois valia entre US$ 40 e US$
65. No entanto, nessa década os dividendos da companhia gozaram de um crescimento
anual de quase 10%. Por que os acionistas que compraram em 1997 perderam
dinheiro durante anos seguintes se os ganhos da Coca-Cola cresceram? Porque, em
1997, as ações cotadas em US$ 89 custavam 63 vezes o que a empresa ganhava por
ação. Como mencionei antes, o múltiplo histórico é 15, de modo que a
sobrevaloração das ações da Coca-Cola era enorme.
Sendo assim, o segredo é pagar pouco e
comprar muito: é o que Graham chamou de margem de segurança – a diferença
entre o preço de venda da ação e o seu valor intrínseco, do modo como o
analista sério calcula. Apenas pagando menos do que você acredita valer a ação
será possível se proteger do erro ou de algo imponderável que afete
irreparavelmente o rumo do negócio.
Às vezes pode demorar muito para que o preço
se alinhe ao valor. O preço das ações da Merck, gigante farmacêutico, não se
mexeu entre 1972 e 1981, apesar de os lucros subirem 14% ao ano e depois, por
fim, seu preço multiplicou-se por quatro em apenas cinco anos. Mas isto é
incomum: bem mais frequente é que, se houver lucros, o preço não tarde tanto a
refleti-los, pois em médio prazo ele se movimenta junto com os lucros.
Em 1997, General Motors ganhava US$ 7,89 por
ação e, em 2007, seus lucros tinham caído para US$ 0,33 por ação. Essa década de perda de valor foi refletida
na queda do preço da ação, que, em 1997, estava a US$ 72 e, dez anos depois, em
outubro de 2007 tinha caído para US$ 4. Mais cedo ou mais tarde, preço e valor
empatam. Mas, como escreveu Philip Fisher: “com
frequência, é mais fácil dizer o que acontecerá com o preço de uma ação do que
quanto tempo levará para que isso aconteça”.
Quando avalia uma empresa, Buffett não
pergunta se o preço desta ação vai subir. A pergunta que faz é: se a empresa
inteira vale 5 bilhões na bolsa e eu tenho 5 bilhões no banco, devo compra-la?
E se comprar, qual retorno terei? E esse retorno, enquanto porcentagem do que
as ações dessa empresa me custam, é melhor do que o retorno que os bônus me
dariam? Se um negócio gera em lucros reais cerca de 100 mil dólares, euros,
reais, pesos ao ano, quanto estaria Buffett disposto a pagar por ele? Para
decidir isso, é preciso saber primeiro qual é a taxa de juros que o bônus de
alta qualidade – o melhor valorizado – paga.
Você deve ter notado que quando acontecem
grandes quedas na bolsa todo mundo entra em pânico. Mas há uma exceção: os Value
Investors. Para o investidor inteligente, como batizou Graham, as
crises da bolsa criam valor. No crash de 1987, por exemplo, o preço das boas
empresas desmoronaram. Mesmo a Nike registrando vendas recordes - no último
trimestre tinham subido 10% os pedidos de novos tênis, os lucros crescido mais
de 60% -, a ação foi vítima do pânico geral. Ao notar a queda injustificada, um
investidor isento teria observado que era o momento certo de comprar e teria
visto suas ações revalorizarem doze vezes em apenas cinco anos.
Nesse mesmo ano, 1987, o da catástrofe
bursátil – quando as bolsas de meio mundo perderam um quarto e um terço de seu
valor de mercado -, foi o que permitiu a Buffett comprar por bom preço as ações
da Coca-Cola que tantos rendimentos lhe dariam
em anos futuros. Do mesmo modo, quando a valorização é excessiva e uma
bolha se anuncia no horizonte, o investidor inteligente vende e evita um golpe
mortal no momento em que o crash chega. Três anos antes da quebra de 1973-1974,
Buffett já estava vendendo ações que ele considerava sobrevalorizadas.
A análise fundamentalista, a margem de
segurança e as quedas da bolsa formam uma combinação vencedora.
Postagem excelente meu caro, simples e certeira.
ResponderExcluirCapitalista Fluminense.
Excelente! Esse texto deve ser lido e relido à exaustão.
ResponderExcluirNão entendi porque não se importar com a liquidez. Se você tem uma empresa boa que fica ruim, se ela não tiver liquidez você está ferrado.
ResponderExcluirParabéns por esta valiosa aula de Value Investing!
ResponderExcluirExtraordinário seu texto, apesar de tão bom houve apenas quatro cometários anteriores ao meu. Percebo com este fato que as pessoas não entendem a filosofia do Valeu Investing. Uma pena, pois proporciona o enriquecimento sólido ao longo dos anos de investimento. Parabéns e muito obrigado pelos esclarecimentos.
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