quinta-feira, 1 de maio de 2014

CUIDADO COM A FALÁCIA DO JOGADOR - EXTRAÍDO DO LIVRO "OS AXIOMAS DE ZURIQUE"









O jogador diz: ‘’Hoje eu estou quente!’’ O comprador de bilhete de loteria: ‘’Hoje é o meu dia de sorte!’’ Ambos estão tentando criar um estado de eufórica expectativa, no qual arriscarão o seu dinheiro com menos prudência que o normal. Ambos deverão se arrepender.

A Falácia do Jogador é uma espécie peculiar de ilusão de ordem. Neste caso, a ordem não é percebida no mundo caótico à volta, mas dentro de si mesmo, no próprio ser. Quando diz que está ‘’quente’’, ou que é o seu ‘’dia de sorte’’, na realidade a pessoa está querendo dizer que se encontra, temporariamente, num estado no qual acontecimentos casuais serão influenciados a seu favor. Num mundo desordenado, onde os eventos rodopiam em todas as direções, somos uma ilha de calma e ordem. À nossa volta, as coisas deixarão de acontecer de forma tresloucada, e obedecerão à nossa ordem. Roletas e caça-níqueis serão nossas escravas; cartas pedidas para o meio entrarão, certinhas; cavalos se esfalfarão para nos levar ao guichê pagador; o bilhete que comprarmos será o premiado; se resolvermos entrar no mercado de ações escolhendo de olhos vendados o investimento, correndo o dedo sobre as cotações num jornal, o papel que comprarmos dobrará de valor em uma semana. Não tem erro!




Pois sim! É surpreendente a quantidade de gente sabida que se deixa levar pela Falácia do Jogador. Ela aparece onde quer que se aposte dinheiro, especialmente em cassinos (daí o nome). Um dos conselhos mais inúteis que se costuma ouvir em Atlantic City e Las Vegas é que a gente tem de ‘’testar’’ a sorte, todas as noites, antes de entrar no jogo a sério. Na verdade, há mesmo livros sobre jogos, alguns até práticos, que sugerem isto com grande solenidade. A idéia é a pessoa começar com algumas apostas pequenas - um ou dois dólares nos caçaníqueis, por exemplo -, para ver como anda a sorte. Se a máquina engolir a sua oferenda sem sequer agradecer, é que a sorte não está com você aquela noite; o melhor que tem a fazer é voltar para o hotel e ficar vendo televisão.

Se a máquina, porém, lhe devolver a oferenda com juros, essa é a sua noite para despejar dinheiro nos dados e na roleta.

Pessoas de todo jeito acreditam nessa ilusão de ordem. Gente que joga valendo um dinheirão, gente que aposta níqueis. Os ricos, os que chegam ao cassino em Ferraris e casacos de pele, acreditam tanto quanto os pobres diabos, aqueles que, perdendo, não terão nem o do ônibus para voltarem para casa. É possível que todos nós, em algum momento das nossas vidas, acreditemos nisso.

Como tantas outras dessas ilusões, a Falácia do Jogador tem grande apelo. Parece verdade. À sua maneira torta, dá impressão de racional.

Todo mundo pode citar lances da sua própria experiência capazes de comprová-la. Se você joga bridge, pôquer ou Monopólio com alguma freqüência, não tem dúvida de que há certas noites em que os dados ou as cartas estão tão bons que dá até vergonha; em outras noites, porém, o melhor teria sido ficar em casa com um bom livro. Há noites em que se está ‘’quente’’, e noites em que não se está.




O fenômeno não se restringe à mesa do jogo; estende-se a todas as atividades da sua vida. Há dias em que as suas decisões são todas acertadas, brilhantes, o mundo lhe sorri, o correio entrega cheques inesperados e o seu rival na empresa decide ir tentar a vida na Austrália. Dias há, também, em que tudo que você toca vira cinza e pó.

É absolutamente natural enxergar, por trás disso tudo, alguma espécie de mecanismo ordenador.  E a ilusão é reforçada pelas histórias que jogadores gostam de contar: fantásticas histórias de momentos ‘’quentes’’, de imbatíveis períodos de sorte. Em todos os cassinos, bem como em qualquer lugar onde sejam vendidos bilhetes de loteria, essas histórias são freqüentes. Algumas são conhecidas apenas localmente, outras são clássicos internacionais.

Por exemplo, a incrível história de Charles Wells, imortalizado numa canção popular da última década do século passado, os ‘’Alegres Anos 90’’, intitulada O Homem que Quebrou a Banca em Monte Carlo. Não foi uma vez só que Wells conseguiu o legendário feito; foram três noites seguidas, em 1891.

‘’Quebrar a banca’’ não era tão dramático quanto parece. Não queria dizer que o cassino fosse à falência. Significava apenas que se esgotava o dinheiro da casa, designado para aquela mesa. Mesmo assim, era tão raro que, quando alguém o conseguia, ainda que uma única vez, já era notícia de primeira página nos jornais. (O cassino tinha o maior prazer de cooperar na divulgação e, cerimoniosamente, cobria a mesa ‘’quebrada’’ com um pano negro. No dia seguinte, era certo que uma nova multidão de trouxas apareceria trazendo o seu dinheiro).  O negócio de Wells era a roleta. A última das suas três noites vitoriosas foi a mais incrível. Estava jogando só plenos, que é o lance mais difícil da roleta. Escolhe-se um número, de 1 a 36, e aposta-se. Ganhando, recebe-se multiplicada por 36 a quantia apostada. Nas antiquadas roletas de Monte Carlo, as chances eram de 37 a 1 contra o jogador.

Wells pôs suas fichas no 5, e as deixou lá, engordando. O 5 deu cinco vezes seguidas. A banca quebrou.  Wells deixou o cassino com pouco mais de 100.000 francos, os quais, em poder de compra, valeriam mais de 1 milhão de dólares hoje.




Há também o caso de Caroline chamada ‘’La Belle’’, talvez a mais famosa e, na opinião de alguns, a mais linda das célebres cortesãs que floresceram em Monte Carlo nos seus dias de glória. Aos 18 anos, ela foi levada para a famosa cidade do jogo por um sujeito que, evidentemente mau jogador, além de canalha, perdeu tudo no cassino e a abandonou. Restavam a Caroline dois luíses - moedas de 20 francos, valendo cada uma talvez 100 dólares em dinheiro de hoje. Num impulso desesperado, La Belle foi a uma mesa de roleta e depositou seus dois luíses no vermelho.

A aposta na cor, vermelho ou preto, é uma modalidade que, na roleta, dobra o dinheiro do ganhador. Caroline Otero, apavorada demais para presenciar o resultado, afastou-se da mesa, deixando o seu dinheiro ali, para se multiplicar ou desaparecer.

Deu vermelho 25 vezes seguidas. A banca quebrou, e a jovem abandonada - agora subitamente rica - transformou-se instantaneamente na rainha de Monte Carlo.




Histórias como estas são muito divertidas. Algumas vêem do século passado, outras são mais recentes, e todas são contadas em apoio à Falácia do Jogador.

- Veja bem, existem momentos em que uma pessoa fica mesmo quente! - dirá um crédulo. - Estão aí as histórias para provar. O que você tem que fazer é esperar esse momento, e aí apostar feito louco!

As histórias não provam nada disso. O que provam, na verdade, é que os períodos de ganhos acontecem. Jogue uma moeda para o alto um número suficiente de vezes, e não tardará a obter uma seqüência de caras. Mas não existe nenhuma ordem nisso. Não dá para saber com antecedência quando tal seqüência começará, e, uma vez começada, ninguém será capaz de garantir quantas vezes ocorrerá.




A mesma coisa acontece com a roleta, as corridas de cavalos, o mercado de arte, ou qualquer outro jogo que envolva apostas em dinheiro. Se jogar durante um longo tempo, terá os seus períodos de ganhos, alguns até memoráveis, com os quais, provavelmente, encherá a paciência dos amigos pelo resto da vida. O que não existe é a maneira ordenada pela qual você poderá tirar proveito de tais períodos. Não há como perceber quando começam, nem como prever sua duração. São, tão-somente, mais um aspecto do caos.

Se você está numa roleta apostando no vermelho e dá vermelho três vezes seguidas, ótimo. Mas, o que é que isto lhe diz em relação ao futuro? Estará você no começo de uma seqüência de 25 vermelhos? Está ‘’quente’’?  Deveria aumentar a aposta?  Muitos aumentariam. E esta é uma das razões pelas quais tantos saem dos cassinos de bolsos vazios.  Conforme aprendemos ao estudarmos o 2º Grande Axioma, incontáveis especuladores e jogadores foram à falência por não terem saído do jogo enquanto estavam ganhando. A Falácia do Jogador tende a encorajar esse fracasso, na medida em que ela estimula a sensação de temporária invencibilidade.




Eis aí uma sensação perigosa. Ninguém é invencível, nem por meio segundo.

Caroline Otero e Charles Wells tiveram sorte. Foram obrigados a parar de jogar porque o cassino ficou sem dinheiro. Além do mais, depois de cada mão, devido às regras e aos limites impostos pela casa, parte do dinheiro tinha de ser retirado da mesa. Foram salvos pelas circunstâncias. Fossem outros os fatos e tivessem eles continuado a jogar, cedo ou tarde teriam perdido, e seus nomes não seriam lembrados até hoje.

Não eram invencíveis. Ambos parecem ter tido a sensação de que o eram. O bom senso deles pode ter sido confundido pelos extraordinários períodos de ganhos. Realmente, depois de uma experiência destas não deve ser fácil manter-se perfeitamente racional. De qualquer forma, a partir de então Caroline Otero e Charles Wells passaram a levar a vida como vítimas de grandiosos ataques da Falácia do Jogador. Assumiam riscos enormes, como se estivessem certos de que ficariam ‘’quentes’’ para sempre.

Não ficaram. Caroline Otero morreu pobre, num apartamentinho em Paris. Falido, Charles Wells terminou seus dias na prisão.



Estratégia Especulativa 


Vejamos, especificamente, como o 5º Grande Axioma, aconselha a operar o seu dinheiro.

O Axioma adverte que não veja ordem onde não existe. Não significa que você deva desesperar de jamais encontrar uma aposta vantajosa ou um investimento promissor. Pelo contrário: deve estudar a especulação na qual está interessado - a mesa de pôquer, o mundo da arte, o que for - e, quando topar com algo que tenha boa cara, aposte.




Não se deixe, porém, hipnotizar pela ilusão de ordem. Seus estudos podem ter aumentado as suas probabilidades, mas não deve ser ignorado o imenso papel que o acaso desempenha no seu projeto. É improvável que os seus estudos lhe tenham criado uma situação ‘’certa’’, ou sequer ‘’quase certa’’. Você continua lidando com o caos. Enquanto tiver isto em mente, poderá poupar-se de grandes estragos.

Seu monólogo interior deve ser mais ou menos assim: ‘’Tudo bem, fiz o meu dever de casa o melhor possível. Acredito que estou apostando numa boa, e que vou ganhar. Porém, como não consigo controlar todas as casualidades capazes de afetar o meu dinheiro, sei que são grandes as minhas possibilidades de estar errado.  Portanto, permanecerei atento, pronto a saltar na direção que os fatos indicarem.’’
















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