A Armadilha do Historiador é um tipo especial de ilusão de ordem. Baseia-se na crença, antiquíssima e totalmente sem fundamento, de que a história se repete. Quem acredita nisto - talvez 99 de cada 100 pessoas na face da Terra - como corolário acredita que a repetição ordenada da história permite, em determinadas circunstâncias, previsões corretas.
Sendo assim, suponhamos que, no passado, em determinado momento, ocorreu o Evento A, que foi seguido do Evento B. Passam-se alguns anos, e testemunhamos a repetição do Evento A.
- Ah-ah! - diz quase todo mundo. - Aí vem o Evento B!
Não é assim que a banda toca. Não caia nessa. Às vezes a história se repete, é verdade; com grande freqüência, porém, não se repete. Mesmo quando a repetição ocorre, jamais é de forma confiável a ponto de você poder apostar prudentemente o seu dinheiro.
Geralmente, as conseqüências da Armadilha do Historiador não costumam ser graves. ‘’Se estiverem à frente no terceiro tempo, ganham o jogo.’’ ‘’Toda vez que a gente combina se encontrar para um drinque, ela arranja um problema no escritório e chega atrasada.’’ ‘’Ninguém que perdeu a primária de New Hampishire jamais ganhou a presidência.’’ As pessoas estão sempre se deixando embrulhar nessas expectativas não confiáveis - o que é uma bobagem mas, de modo geral, não oferece perigos. Quando o seu dinheiro entra no negócio, porém, a Armadilha do Historiador se torna perigosa. Você pode acabar duro!
No ramo de assessoria financeira, a armadilha aparece em todo canto, é ubíqua. Era de crer que, tendo observado vezes sem conta que os eventos raramente ocorrem como esperam, a maioria dos assessores tivesse aprendido a evitar a armadilha. Pois é, mas a ilusão de ordem - ou, talvez, a necessidade de acreditar em ordem - é forte demais.
Existem, em Wall Street, escolas de pensamento inteiras que repousam em falácias originárias da Armadilha do Historiador. Analistas de ações e outros valores recuam no tempo até o último mercado de certos papéis, ou grupos de papéis, que conheceu uma alta explosiva, e reúnem montanhas de fatos a respeito de tudo que à época ocorria em volta. Registram que o PNB ia em alta, a taxa de juros caía, a indústria do aço tinha um bom ano, seguros não eram lá essas coisas, o time do White Sox segurava a lanterna, o presidente tinha uma tia Matilda que andava resfriada. Passam, então, a esperar que a mesma configuração de circunstâncias torne a ocorrer. E quando a portentosa constelação se apresenta, dão pulos de entusiasmo:
- Olhem só! Tudo igualzinho! Vem uma alta por aí, tão certo como dois e dois são quatro! Pode ser que sim. Mas também pode ser que não.
Frank Henry conheceu uma moça que mergulhou de cabeça na Armadilha do Historiador, e quase morreu. Era uma funcionária subalterna, mal paga, da União de Bancos Suíços. Pela morte do pai, herdou algum dinheiro, que resolveu investir a fim de subir na escala social, deixar a classe dos remediados. Frank Henry gostou da sua bravura, tomou pela moça um certo interesse de avô, e, quando ela pedia, dava-lhe conselhos.
Do que aprendera na sua vidinha bancária, interessou-se pelas operações com moedas. É um jogo de alto risco e, quando se ganha, os lucros são proporcionais. A base do jogo é a maneira inconstante como as moedas do mundo flutuam, variando os valores umas em relação às outras.
Para entrar no jogo você compra, digamos, um punhado de ienes japoneses, e paga-os em dólares. Espera que o iene se valorize em relação ao dólar. Isto ocorrendo, você sorri e descarrega os seus ienes, e recebe por eles mais dólares do que pagou. Uma vez que os valores das moedas são muito voláteis, e porque os negócios são feitos com pesadas garantias, isto é, você põe uma quantidade relativamente pequena do seu, tomando o resto emprestado do corretor, a sua alavancagem é muito grande. De um dia para o outro, dá para dobrar o seu capital; e, da mesma forma, dá para arrebentar os seus dentes financeiros, se as coisas andarem ao contrário.
Neste ramo, a maioria dos pequenos especuladores joga com algumas poucas moedas, geralmente duas apenas. Foi o que fez a nossa jovem. Julgava compreender bastante bem a inter-relação do dólar americano com a lira italiana. Frank Henry deu força quando viu que ela jogava um jogo de cada vez - uma decisão acertada para um iniciante. Começou a preocupar-se, porém, quando a viu entrando na Armadilha do Historiador.
Certo dia, a moça contou-lhe ter feito um estudo completo das altas e baixas do dólar e da lira, e sua interrelação ao longo da história. Levantamentos desse tipo podem ser úteis em qualquer situação de investimento, desde que não sejam feitos com base no pressuposto de que a história se repetirá. Infelizmente, o pressuposto da moça era o mesmo.
Segundo os seus estudos, contou ela a Frank Henry, quando o franco suíço subia, quando as relações russo-americanas esfriavam, e quando diversos outros indicadores econômicos e diplomáticos internacionais ocorriam, a lira sempre se valorizava em relação ao dólar. Ela se propunha esperar que os indicadores lhe dessem o sinal histórico, para então mergulhar de cabeça no jogo.
A essa altura, os Axiomas de Zurique ainda não se encontravam completamente formulados. Frank Henry ainda não dispunha de um rótulo competente como ‘’Armadilha do Historiador’’, com o qual identificar o que julgava ser uma falha no raciocínio dela. Fez o que pôde para dissuadi-la, mas a moça estava empolgada demais, não conseguia nem escutar. É o que acontece, quase sempre, com descobridores de novas fórmulas de ganhar dinheiro.
- Ela achava que havia encontrado uma espécie de chave mágica - disse Frank Henry, com tristeza.
- Perguntei como é que, apesar de anos e anos procurando, milhares de outras pessoas igualmente inteligentes nunca tinham encontrado nada, e ela disse que não sabia nem estava interessada em saber. Era tão grande sua excitação que, quando um rapaz a convidou para jantar num restaurante italiano, ela passou metade da noite discutindo taxas de câmbio com o maitre.
Finalmente, acendeu-se a luz verde dos indicadores internacionais, e lá se foi ela. Tornou-se proprietária de uma montanha de liras....
..... que, ato contínuo, começou a encolher em relação ao dólar. Quando o prejuízo atingiu cerca de 15% do capital, Frank Henry lhe recomendou que vendesse. Mas a ilusão de ordem era demais. A moça estava convencida de que lhe bastava esperar, que a sua fórmula acabaria funcionando. Sempre funcionara, não seria agora que não daria certo. O mercado é que estava errado!
O fato é que ela estava enxergando o mundo pelo avesso. Fórmulas podem estar erradas; o mercado nunca. O mercado é mercado, nem mais nem menos. Não faz previsões nem promessas. Está ali, e basta. Discutir com ele é como sair numa tempestade de neve, gritando que só deveria nevar no dia seguinte.
A nossa jovem discutia sem parar. O mercado internacional de câmbio recusava-se a entender. Frank Henry jamais ficou sabendo quanto ela perdeu; achou que perguntar seria uma crueldade. Mas eu garanto que, quando se desfez da sua posição em liras, tinha levado uma surra danada.
Esse axioma parece se contrapor a outro conceito bastante comentado atualmente que é a frase mais perigosa do mundo financeiro: "Desta vez será diferente". Ela serve para justificar comportamentos irracionais no mercado, até o momento em que tudo desaba. Um exemplo clássico são as bolhas nos preços dos ativos. Podemos lembrar da bolha subprime, que arrasou o mercado de imóveis (e toda a economia) nos USA. Em seguida, vimos os Europeus fazendo o mesmo, mas não, "Desta vez será diferente", e quebraram. O Brasil faz o mesmo.
ResponderExcluirNa época da bolha pontocom, estourada no início de 2000, acreditava-se que os paradigmas mudaram e uma empresa que entregava flores pela internet valia milhões, idem agora vemos empresas valendo bilhões, uma pontocom vale mais que um banco ou uma petrolífera (não a PETRO, claro!!).
Seria interessante comentar esse contraponto entre "A história se repete" e "Desta vez será diferente", ou seja, se desafiarmos os fundamentos da economia e do bom senso seremos bem sucedidos ?
Não sei se me fiz entender.