segunda-feira, 3 de março de 2014

QUANDO O BARCO COMEÇAR A AFUNDAR , NÃO REZE. ABANDONE-O - EXTRAÍDO DO LIVRO "OS AXIOMAS DE ZURIQUE"

Fonte: Os axiomas de Zurique - Max Gunther











O 2º Grande Axioma falou sobre o que fazer quando as coisas vão bem. O 3º Grande Axioma é sobre como escapar quando vão mal.  

E não há a menor dúvida de que irão mal. Pode apostar. Pode contar como certo que mais ou menos a metade das suas operações especulativas irão pro brejo antes de você alcançar a linha de chegada. Nos seus palpites sobre o futuro, vai errar a metade; a metade das suas opiniões sobre as forças econômicas serão equivocadas. A metade dos conselhos que ouvirá serão maus.

A metade das suas esperanças estão condenadas a não se realizarem Mas, anime-se. Isto não significa que vai perder um dólar para cada dólar que vier a ganhar. Se fosse assim, o negócio todo perderia o sentido. Isto só é verdade com os incompetentes. Jogadores e especuladores bemsucedidos transam melhor as coisas. Em grande parte, progridem porque sabem o que fazer, sem hesitações, quando a maré se volta contra eles.




Saber sair de uma situação complicada talvez seja o mais raro dos dotes especulativos. É raro por ser difícil de adquirir. Requer coragem, e um tipo de honestidade afiada como uma navalha. É uma habilidade que diferencia homens e mulheres de meninos e meninas. Há quem diga que é a peça mais importante do instrumental de um jogador ou de um especulador.

Uma pessoa que concordaria com isto é Martin Schwartz, ex-analista de valores que hoje se dedica em tempo integral a especular na bolsa de mercadorias para entrega futura. A maioria dos profissionais prefere dizer que “opera” no mercado, mas nós continuaremos com a nossa palavrinha: especulação. Em 1983, Schwartz aumentou espetacularmente o seu capital de risco em 175%. Foi o vencedor do Campeonato Americano de Operadores, uma disputa anual patrocinada pelas corretoras da Bolsa de Mercadorias de Chicago - e ficou bem mais rico. Perguntando sobre como obter resultados tão bons, Schwartz, ao responder ao New York Times, foi direto ao talento que considera essencial: “Vou lhe dizer como me tornei vencedor: aprendi a perder.”

É mais ou menos a mesma coisa que se ouve nos cassinos. Quando perguntado sobre o que caracteriza um bom jogador de pôquer, Sherlock Feldman respondeu: - Saber passar.  O amador fica na esperança de que suas cartas saiam, ou reza para que isso aconteça; o profissional estuda o meio de se safar quando não saem. Esta, provavelmente, a grande diferença entre os dois. Ajuda a explicar porque o profissional não tem dificuldade em viver do jogo, enquanto o amador quebrará a cara sempre que sentar à mesa para enfrentar profissionais.




A incapacidade de abandonar rapidamente um barco que esteja afundando provavelmente custou mais dinheiro a especuladores que qualquer outro erro. É responsável, com toda certeza, pelo derramamento de mais litros de lágrimas do que qualquer outro acidente financeiro. Susan Garner, que não faz muito demitiu-se do Chase para dedicar-se profissionalmente às especulações, diz:  - Ficar preso numa operação perdedora deve ser a maior dor que o dinheiro é capaz de provocar.

Hoje Susan faz muito sucesso, mas nem sempre foi assim. Custou a aprender as técnicas - principalmente a aprender a perder. Numa de suas primeiras operações, ele recorda, pagou 2.000 dólares por uma participação mínima num projeto imobiliário numa cidadezinha. Era um edifício comercial, numa comunidade meio adormecida que parecia prestes a despertar. Havia um projeto para passar uma importante rodovia federal pela região, beirando a tal cidadezinha. Graças à projetada estrada e a certos outros fatores econômicos e geográficos, todo mundo esperava que a cidade se transformasse em importante pólo comercial. Quando isto ocorre, os imóveis naturalmente costumam disparar - inclusive os prédios de escritórios. A especulação de Susan Garner parecia promissora.




Mas, como costuma acontecer, o futuro foi adiado. O projeto da rodovia teve problemas de financiamento.  Cada vez que se falava dele era para anunciar novos adiamentos. A princípio, as autoridades informavam que estava adiado por um ano, mais ou menos; depois eram dois, três, cinco anos. Finalmente, encontrou-se um funcionário valente, capaz de falar a verdade: honestamente, não sabia quando, nem se a estrada seria mesmo construída.

A cada adiamento anunciado, a febre imobiliária arrefecia um pouquinho. O pequeno investimento de Susan Garner não tinha cotação diária nos jornais, mas ela não precisava de números exatos para saber que estava ficando mais pobre. Pensou em liquidar.

- Haveria quem comprasse a minha parte - diz ela. - Mas eu teria de vender com prejuízo, e não tive coragem.  Da primeira vez, quando anunciaram o adiamento de um ano, tentei me convencer de que estava tudo bem, que era só esperar um pouco, não passava de um contratempo. Bastava eu ter paciência, que logo a minha parte recuperaria o seu valor.

Aí vieram as notícias de dois e três anos de adiamento. Um dos maiores condôminos do prédio, um advogado, ofereceu 1.500 dólares pela parte de Susan Garner. Ela não conseguiu engolir a idéia de perder 500 dólares - um quarto do seu capital - , e recusou. O camarada chegou a 1.600 dólares, e ela não vendeu.

À medida que os adiamentos eram anunciados, o preço afundava. O advogado reapareceu, oferecendo 1.000 dólares. Pouco depois, já eram só 800. Mais o preço baixava, mais Susan Garner sentia-se presa à sua pequena participação.




- Já não se tratava nem de esperança de recuperar os meus 2.000 dólares - diz ela. - Eu estava uma fera comigo por não ter aceitado os 1.500 que me haviam oferecido. E lá ficava eu, na esperança de que a situação melhorasse, para não fazer um juízo tão mau da minha competência. Quanto mais caía o preço, mais teimosa eu ficava. Preferia a morte a ter de vender o meu investimento de 2.000 dólares por uns míseros 800!

Enquanto seu capital ficava preso naquele mau negócio, a atenção de Susan era atraída por outras especulações. Queria dar uma volta pelo mercado de antigüidades, principalmente mobiliário; as ações a atraíam.

Um amigo lhe ofereceu, por uma pechincha, um álbum de selos do século XIX, que acabara de herdar, e ela se sentiu inclinada a fazer negócio. O problema era que os 2.000 dólares presos naquele prédio eram o grosso do seu capital de risco. Até liberá-los, mal podia se mexer.

- Resolvi, finalmente - conta -, que era ridículo deixar meu dinheiro congelado daquele jeito.  Susan vendeu a sua cota por 750 dólares. E foi assim que veio a aprender a lição contida no 3º Grande Axioma. Quando o barco começa a afundar, abandone-o.

Atenção às palavras: quando começa a afundar. Não espere até a metade estar submersa. Não reze, não espere nada. Não cubra os olhos e fique ali tremendo. Olhe em volta e vela bem o que está acontecendo. Estude a situação. Pergunte-se se o problema que vê crescendo tem solução. Procure indícios confiáveis e tangíveis de que as coisas estão melhorando; não vendo nada no gênero, comece a agir, sem mais delongas. Calma e decididamente, antes que o pessoal todo entre em pânico, abandone o barco e salve a sua pele.




Nos casos de mercados com pregão diário, ações, mercadorias a futuro etc., este conselho pode ser traduzido em números. A regra de ouro de Gerald Loeb dizia que se deve vender quando o preço de uma ação cair entre 10% e 15% em relação ao preço mais alto alcançado enquanto em seu poder. Não importa se, a essa altura, você estiver perdendo ou ganhando. Frank Henry se permitia margem um pouco maior, entre 10% e 20%. A maioria dos especuladores tarimbados opera com regras muito parecidas. Em todos os casos, a idéia é cortar os prejuízos cedo. Aceite pequenas perdas, para se proteger das grandes.

Para exemplificar, suponhamos que você comprou um papel a 100 dólares. O negócio começa logo a dar errado, e o preço cai para 85 dólares. Neste caso, o preço mais alto enquanto a ação esteve com você foi o da compra, 100. Você está 15% abaixo desse nível, de forma que a regra manda vender. Não enxergando bons indicadores de que vai melhorar, abandone o barco.




Ou, tomemos um caso mais agradável. Você compra uma ação a 100, e ela salta para 120. Pronto, você acha logo que está para ficar rico. Que dia mais lindo! Um problema inesperado, porém, atinge a empresa, e a sua ação volta aos 100. O que fazer? A esta altura, você já sabe como agir. Na ausência de ponderáveis razões para acreditar que as coisas vão melhorar, venda.

Saber agir, porém, é só a metade da batalha. Quando tentamos fazer como manda o 3º Grande Axioma, três obstáculos costumam erguer-se à nossa frente. Para alguns especuladores, são grandes, intimidantes obstáculos.

Você tem de estar psicologicamente preparado para enfrentá-los. Mantendo a cabeça fria, conseguirá superá-los O primeiro obstáculo é o medo de arrepender-se - basicamente o mesmo medo de que tratamos no 2º Grande Axioma. Nesta caso, o medo é de que perdedores virem ganhadores depois de você ter abandonado o barco.

Isto acontece, e dói. Por exemplo: você comprou um pouco de ouro a 400 dólares a onça. digamos, e ele despenca para 350. Não enxergando bons motivos para ficar, você resolve absorver o prejuízo de 12% e vende.

Nem bem se completa a transação, explodem seis novas guerras, quatro países sul-americanos declaram moratória, os países da OPEP dobram o preço do petróleo, as bolsas de valores despencam em todo o mundo, e quem tem dólares sobrando corre a proteger sob o metal amarelo. O preço dispara e bate 800 dólares a onça. Ai!  Pois é, dói demais. Cedo ou tarde, é provável que algo assim lhe aconteça. Não há como evitar. Essas reviravoltas da fortuna, porém, não acontecem todo dia. Com muito maior freqüência, uma situação ruim permanece ruim, pelo menos por algum tempo. Os problemas que costumam causar quedas de preços em ativos especulativos - ações, mercadorias, imóveis etc. - tendem a perdurar. Surgem lentamente, e vão-se com a mesma lentidão. Quase sempre, o correto é escapar assim que o preço mostra a primeira queda significativa.




Há certas situações na vida, é verdade, nas quais o certo pode ser esperar passar o mau tempo. Quando há dinheiro no meio, porém, é muito raro. Se você deixar o dinheiro se entalar numa operação errada, e o problema perdurar, talvez se passem anos até poder usá-lo de novo. Seu capital fica preso, quando deveria, isto sim, estar trabalhando para você, correndo atrás de outros negócios bons e lucrativos.

O segundo obstáculo à implementação do 3º Grande Axioma é a necessidade de se abrir mão de parte de um investimento. Para alguns, é uma dor insuportável. Se valer de consolo, porém, posso lhe garantir que, com a prática, fica menos doloroso.




Você está especulando com moedas, suponhamos, e apostou 5.000 dólares na lira italiana. Seu palpite furou, a taxa de câmbio voltou-se contra você, e o que dá para salvar do seu capital não passa de 4.000 dólares. Como não há indícios decentes de que a coisa vai melhorar para o seu lado, o mais provável é que deva cair fora. Só que estará abandonando 1.000 dólares. E é isto que dói.




Para alguns, a dor é tanta que não conseguem. O instinto do pequeno especulador típico manda que ele agüente as pontas, na esperança de, um dia, recuperar aqueles 1.000 dólares. Se você não dominar esse instinto, jamais passará de um pequeno especulador típico, podendo mesmo chegar a ser um especulador falido. O jeito de recuperar os seus 1.000 dólares é tirar 4.000 do investimento que azedou, e pô-los em algo bom e produtivo.

Se você especula dando certa garantia, a incapacidade de abandonar parte de um investimento vira um problema duplamente grave. Usando dinheiro emprestado para aumentar o seu poder de fogo, a sua posição especulativa começa a ficar parecida com o mais deliciosamente torturante jogo do mundo - o pôquer.




Vale a pena examinar um pouco essa semelhança. Na realidade, se você não conhece, terá grande vantagens em estudar o jogo de pôquer. Participe de alguns joguinhos de fim de semana, ou organize alguns entre amigos, com cacife baratinho. O pôquer serve para testar algumas características do ser humano em condições extremas.




Há muito que aprender nesse jogo - sobre especulações e acerca de si mesmo.  Quando se especula com recursos próprios - ou seja, quando não se usa dinheiro emprestado -, a vida é relativamente simples. Compram-se algumas ações, digamos, e paga-se à vista. Não há necessidade de fazer qualquer outro investimento, além deste. Se o preço das ações despencar e você ficar plantado, não querendo abrir mão do que quer que tenha perdido, ninguém tem nada com isso. A única coisa que acontece é você ficar ali sentado, vendo o seu dinheiro encolher. Mas ninguém lhe pedirá para pôr mais dinheiro na operação.

Agora vejamos o pôquer. No decorrer da mão, se quiser continuar na parada, você tem de ficar aumentando o seu investimento. Digamos que esteja pedindo flush. As probabilidades são contra você; provavelmente é uma mão perdedora. Mas já pôs muito dinheiro no pote, e não consegue convencer-se a sair. Contra tudo o que lhe dita o bom senso - além do 3º Grande Axioma -, resolve continuar.




Esta, porém, não é uma especulação do tipo comum, à vista. Aqui trata-se de pôquer. Para prosseguir é preciso parar. Se quiser ver a carta seguinte, isso tem um preço. O jogo exige que, para proteger dinheiro velho, invista-se dinheiro novo sem parar.  Especulador oferecendo certa garantia dá uma angústia parecida. Para adquirir um papel, o corretor lhe financia uma determinada percentagem do seu valor. Essa percentagem financiada é determinada por regulamentos do governo, regras da própria Bolsa e do seu corretor. Para garantir o financiamento, as ações ficam hipotecadas com o corretor. Se cair o preço à vista do papel, cai junto o seu valor de garantia, é óbvio. O que pode colocar você, automaticamente, como infrator das normas que regem as operações com garantia.

Perceberá, então, a temida “chamada de garantia” - uma comunicação amistosa, porém inflexível, do seu corretor, oferecendo-lhe duas alternativas igualmente penosas: ou você comparece com dinheiro para cobrir garantia dada, ou ele vende a sua posição.

No fundo, você está exatamente na situação do jogador de pôquer. Se não quiser abrir mão de parte do seu investimento, tem de pôr dinheiro novo no pote.  Geralmente, a reação mais correta é a disposição de abandonar o barco. Se não sentir, e não for capaz de cultivar essa disposição, especulações de qualquer espécie serão difíceis para você; com garantia, então, podem ser desastrosas.




O terceiro obstáculo à implementação do 3º Grande Axioma é a dificuldade de admitir que você errou. A reação das pessoas a esse problema varia muito. Para alguns, é só uma bobagem; para outros é o maior dos obstáculos. Mulheres parecem reagir melhor que homens, os mais velhos melhor que os jovens. Não tenho explicação para isto, não conheço quem tenha, nem mesmo entre os que dizem ter. O fato é que, para muitos, é um grande obstáculo, e vamos parar por aí. Se achar que vai atrapalhá-lo, o jeito é um pouco de auto-análise, e tratar de achar o jeito de lidar com o problema.

Você faz um negócio, dá errado e o jeito é cair fora. Para isto, porém, tem de admitir que errou. Tem de admiti-lo para o seu corretor, o seu banqueiro ou para quem quer que seja a pessoa com quem está operando; talvez para a sua mulher e outros membros da família, e, pior que todos, quase sempre, para você mesmo. Tem de se postar diante do espelho, olhar-se bem nos olhos, e dizer: “Errei”.

Para alguns, é intoleravelmente penoso. O perdedor típico tenta escapar a essa punição e, em conseqüência, costuma ser apanhado pisando em falso, em maus negócios. Quando compra alguma coisa cujo preço passa a cair, ele se agarra ao que comprou na esperança de que fatos futuros venham a lhe dar razão. “Essa queda é só temporária”, pensa - e talvez até acredite nisso. “Eu estava certo ao entrar nesta especulação. Seria tolo sair só por causa deste mau começo. Vou esperar. O tempo provará como eu sou sabido!”

O seu ego já está garantido. A necessidade de dizer que estava errado foi contornada. Ele pode continuar acreditando que é sabido.

A sua conta bancária, porém, contará a verdadeira história. Dali a anos, quem sabe, o investimento é até capaz de dar a volta e retornar ao seu valor original, ou mesmo se valorizar, e ele então, exultante, dirá, sentindo-se vingado:

- Eu sabia que tinha razão!

Mas será que tinha mesmo? Os anos todos que o dinheiro passou estagnado poderia estar trabalhando.  Poderia ter duplicado, até mais. Em vez disso, está onde estava quando o triste episódio começou. Recusar-se a aceitar que está errado é a mais errada das reações possíveis.



















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