Warren Buffett costuma dizer que a inteligência
não é garantia de sucesso quando o assunto é investimento. Ele observou que um
QI acima de 130 é desperdício. Você certamente não precisa ser o aluno mais
inteligente da turma para aplicar a abordagem em valor para o investimento. E
se você não for bom em matemática e não tiver cabeça para os números, e daí?
Isso provavelmente será vantagem, já que você não ficará preso nas análises
detalhadas. Você será capaz de se concentrar naquilo que é importante para a
sua carteira: o negócio (ações) que você está comprando. Em vez de levar horas
analisando a demonstração do fluxo de caixa, você estará fazendo perguntas
relevantes como: Qual é a vantagem desse negócio? Sua administração é
transparente? Em outras palavras, os pontos qualitativos que não são
encontrados imediatamente nos números.
Seu emprego atual também não deverá ser um
obstáculo. Os grandes investidores em valor estão presentes em todas as
profissões: advogado (Charlie Munger), vendedor da IBM (Rick Guering), graduado
em química (Tom Knapp), executivo de publicidade (Stan Perlmeter), graduado no
ensino médio (Walter Schloss). A maioria das pessoas leva cinco minutos ou
menos para entender o conceito do investimento em valor e isso é o que importa:
ele não é complexo ou extremamente técnico. Você consegue.
“Acho incrível que as pessoas ou entendem
imediatamente a idéia de comprar notas de um dólar por 40 centavos ou jamais
entenderão.” Warren Buffett
Em 1966, um jovem de vinte e quatro anos,
dono de um sorriso franco, estatura baixa, voz suave e forte sotaque sulino
comentou com seu chefe, na empresa financeira Dominick&Dominick, que ia
interromper suas atividades para fazer uma pós-graduação em Administração de
Empresas, o cobiçado MBA, que nos EUA e outros países é credencial
indispensável para ser alguém no mundo dos negócios e do dinheiro. “Não me amole, venda uns grãos de feijão ‘a
descoberto’ e aprenderá mais em apenas uma negociação do que em dois anos em
uma escola de negócios”, respondeu o chefe.
Referia-se à conhecida forma de apostar na
queda de um valor quando alguém faz uma venda “a descoberto” – short selling -,
pega algumas ações emprestadas para vendê-las com a expectativa de que os
preços baixem e, assim, comprá-las de volta por um preço menor, embolsando a
diferença ao devolvê-las. Outra forma de fazer isso é comprar opções put (opções de venda): quem adquire este
tipo de opção sobre um ativo (por exemplo, sobre as ações de uma empresa), tem
o direito de vender à parte contrária (o lançador) o ativo em questão até uma
data determinada e por um preço fixado, de maneira que, se o preço cair abaixo
do combinado, quem tiver a opção sai ganhando.
Jim Rogers ouviu o conselho e investiu seu
dinheiro em opções put sobre algumas
companhias que fabricavam ferramentas.
Sendo assim, sua aposta era que essas ações cairiam. Mas o preço subiu
três vezes em menos de quatro meses, de maneira que Rogers não pode exercer a
opção. As ações continuaram subindo tanto que Jim considerou excessivo. Então
voltou a apostar na queda, vendendo-as “a descoberto”. No entanto, os preços
continuaram aumentando durante dois anos, até que Jim perdeu todo seu dinheiro.
“Aquele sacana tinha razão”, pensou, “na escola de negócios nunca teria
aprendido essa lição”.
Ao fim dessa mesma década, Jim conheceu
George Soros no banco de investimento Arnold and S. Bleichroeder, onde ambos
trabalhavam e o segundo construía uma excelente carreira. Nenhum dos dois
queria ser empregado de ninguém e nem viver de salário. Decidiram fundar juntos
o Soros Fund Management para gerenciar o dinheiro de terceiros. Conseguiram –
melhor seria dizer que, sobretudo, Soros conseguiu – e puseram as mãos à obra.
As tarefas estavam claramente divididas: Soros era o trader e Jim Rogers, o
analista. Salvo uma secretária, não havia mais ninguém. Rogers, que vivia em
uma casa na Riverside Drive, a qual conservaria por muitos anos, ia de
bicicleta para o escritório na Columbus Circle, em Nova York, disposto a “não
me angustiar se os outros me censurassem”.
Ao longo de uma década, durante a qual nunca
tirou férias, esse dreamteam
conseguiu uma rentabilidade dos sonhos, da qual ainda se fala com reverência
muitos anos depois da dissolução. O fundo – primeiramente nomeado de Soros
Fund, e depois de Quantum Fund – revalorizou-se entre dezembro de 1969 e 1980,
ano em que Rogers o deixou, nada menos do que 3.365% contra um magro 47% do
índice Standard & Poor. Aos trinta e oito anos, Rogers tinha cumprido sua
meta: era milionário. Ficara para trás a má lembrança da fracassada venda “a
descoberto” e tinha o resto da vida para viajar, investir seu próprio dinheiro
e escandalizar o mundo com suas opiniões libertárias. O tempo ia abrindo entre
ele e seu antigo sócio uma distância ideológica incontornável à qual ambos só
se referiam com desgosto e incômodo.
Demopolis
O lugar onde Jim Rogers cresceu – Demopolis,
no Alabama, Estados Unidos – não era precisamente um passaporte para a glória: a
cidadezinha contava com apenas 7.800 pessoas
e o telefone de sua família tinha apenas um dígito – 5. A cidade mais
próxima, com somente mil habitantes, ficava a oitenta quilômetros. Seu pai
gerenciava uma pequena fábrica do Bordem Chemical Group, mas o salário era muito
modesto e as condições em que viviam, nesse remoto rincão rural do Deep South,
bastante restritas. Desde os cinco anos, Jim exibiu verdadeiro faro para os
negócios: primeiro, vendeu amendoim e depois, quando pôde ir ao estádio de
basebol, recolhia garrafas vazias do lixo: intuía que eram algo mais do que
lixo.
Quando disse à sua família que queria tentar
ser aceito na Yale University e com bolsa de estudo, pensaram que ele estava
louco. Mas obteve-a e pôde fazer ali sua graduação. Sua ousadia de sulino com
pretensões de ascensão social não acabou aí: ao concluir a graduação, trocou a
proposta de trabalho de Dominick&Dominick por um simples estágio, pois
queria ir para Oxford, na Inglaterra, fazer uma segunda graduação, com
especialização em Política, Filosofia e Economia. No verão de 1964, não era
raro vê-lo nos rios Cherwell ou Tâmisa, como timoneiro, no extremo da
embarcação, gritando com os remadores da equipe universitária.
Quando retornou aos Estados Unidos, passou a
trabalhar na empresa em que tinha feito um estágio. Sabia que queria se dedicar
às finanças, mas também que não gostava da especulação e que o verdadeiro
atrativo dessa atividade era intelectual, analisar companhias e tendências era
bem mais estimulante do que fazer trading ou gerenciar dinheiro alheio no qual
não tivesse participação e que, por isso mesmo, não oferecesse a possibilidade
de fazer fortuna.
Teve que interromper seu emprego para cumprir
o serviço militar durante dois anos, mas se entreteve investindo os recursos do
oficial ao qual era subordinado. Foi ali que se propôs a não depender de
ninguém no instante em que isso fosse possível: “Quero ganhar o suficiente para
nunca mais ter que trabalhar e então poder investir meu próprio dinheiro”,
disse com a mesma certeza do garoto que anunciou que Yale lhe daria uma bolsa
porque ele merecia. Ao voltar à vida civil, passou por diferentes entidades sem
o maior entusiasmo, ainda que em uma delas, a de Dick Gilder, tenha aprendido
“que era preciso conhecer os números” do que se está analisando. Caso
contrário, acabava cometendo as barbaridades que via serem cometidas
diariamente pelos que investiam sem noção do fundamental.
Jim Rogers
Ainda que Jim Rogers represente uma variante
diferente da escola tradicional do valor, essencialmente é um value investor. “Para ter sucesso
investindo é necessário entrar cedo quando as coisas estão baratas, quando
existe pânico e todo mundo está desmoralizado”, tem dito. Não ocultou nunca, e
não oculta ainda, seu desprezo pelo “rebanho de Wall Street”, mas adverte: “-
não se trata só de fazer o que Wall Street não faz, mas sim de fazer o que é
correto”.
Certa vez, explicou o sucesso do Quantum
Fund, durante a década em que ele e Soros estiveram juntos, da seguinte forma:
não interessava tanto o que uma empresa tinha ganhado no último trimestre ou o
que o mercado achava que ganharia no seguinte, nem, por exemplo, quantas
remessas de alumínio haveria em curto prazo, mas sim como os grandes fatores
sociais, econômicos e políticos alterariam o destino de um setor ou de um grupo
de empresas durante os próximos anos. “Se houver uma ampla diferença entre o
que vemos e o preço de cotação de uma ação, melhor, pois significa que podemos
ganhar dinheiro”. A grande habilidade do fundo consistiu, em sua opinião, em
entender prioritariamente as mudanças “seculares” em detrimento das cíclicas e,
com base nesse conhecimento, encontrar grupos de empresas cujo potencial de
valorização, à luz dessas grandes tendências industriais, fosse importante.
O enfoque de Jim Rogers, portanto, combinou
sempre o elemento bottom-up, como se chama à análise de empresas individuais,
com a perspectiva tow-down ou generalista, isto é, o estudo de como o ambiente
econômico geral se reflete nessas empresas. Mas, diferentemente da maioria dos
que adotam uma perspectiva generalista, o que importa para ele não são as taxas
de crescimento imediatas ou as de juros, nem outros fatores dessa linha
estatística, mas sim as grandes tendências sociais e seu impacto em certos setores
da indústria.
A Escola de Valor, ao menos a partir da
segunda geração, tem levado sempre em conta, sem deixar de priorizar a análise
das empresas individuais, a posição competitiva de uma empresa no setor ao qual
pertence e as perspectivas de futuro dessa indústria. Rogers faz o mesmo, mas
com uma visão ainda mais ampla, prevendo como as grandes tendências sociais
econômicas afetarão o desenvolvimento de determinadas indústrias.
“O truque para ficar rico é medir
corretamente a oferta e a demanda. Nem os comunistas, nem Washington, nem
ninguém tem conseguido contestar essa lei”, afirma. Vem daí sua convicção de
que é preciso apostar “sempre contra os bancos centrais”, que depreciam a moeda
e trapaceiam, e apostar “sempre pela vida real”. A partir dessa análise, a
busca por oportunidades concretas adota a clássica procura por empresas menos
valorizadas. E depois só resta esperar. “Pode demorar um pouco, mas prometo que
acontecerá”, sentencia, referindo-se ao fato de que o valor acabará se
manifestando e se alinhando ao preço.
Em última instância, o que Rogers faz não é
muito diferente do que faz a Escola Clássica de Valor, por mais que em seu caso
a análise generalista tenha peso: consiste, como fazem os clássicos, em entrar
quando há preço bom. “A ação tem que estar barata de maneira que se algo der
errado, a perda será mínima”, indica. No mais puro estilo dessa escola, a
primeira prioridade é proteger o dinheiro. “Não perca grana”, aconselha. “Se
não tem conhecimento de todos os fatos, não entre. Estude bem, espere e quando
sentir que é o momento, entre com tudo”.
Inseparável de sua filosofia do valor tem
sido sempre sua paixão por percorrer o mundo. “Minha noção de risco e
oportunidade vem de viajar, ler História e Filosofia, não de uma escola de
negócios”, tem dito. Por isso definiu sua visão de investidor com a ajuda deste
verso de Kipling contra a mentalidade provinciana (apesar de ser um poema, como
outros da obra deste gênio inglês, com inspiração imperial): “E o que poderia
saber da Inglaterra quem conhecesse apenas a Inglaterra?”
Há muito tempo, e cumprindo a promessa que
fez ao deixar o Quantum Fund, Jim Rogers é um cidadão do mundo. Tanto na hora
de viver quanto na de investir. Desde os anos 1980, sua carteira de
investimentos tem percorrido a geografia universal, aproveitando que o
desconhecimento, a inércia ou a ignorância dos capitais de investimento
desdenhavam possibilidades que uma mente um pouco mais atenta e ágil podia
reconhecer como promissoras.
Em 1984, por exemplo, decidiu investir em
companhias portuguesas. A Bolsa lisboeta ficou fechada para os estrangeiros
durante muito tempo a partir da Revolução dos Cravos, mas, no instante em que
isso mudou, Rogers farejou uma extraordinária oportunidade. Pediu autorização
para transformar em dólares suas transações na bolsa local. A principal empresa
de investimentos e corretora da Bolsa de Lisboa tratou de dissuadi-lo,
escandalizada pela imprudência do norte-americano. Mas ele ordenou a compra de
um pacote de ações das vinte e quatro empresas cotadas
nela e de qualquer outra que entrasse na bolsa no futuro.
Não demorou muito, Rogers reuniu em sua
carteira ações de trinta e cinco companhias portuguesas. Era um bom momento
para Portugal, que viveu fechado para o mundo durante muito tempo sob uma ditadura
militar e, depois, passou por uma transição difícil. Mas agora o país começava
a decolar. O investimento rendeu suculentos frutos à medida que outros viram na
Bolsa de Portugal o que Rogers tinha visto antes de todos e a carteira
disparou.
Nesse mesmo ano de 1984, o investidor
norte-americano focou a Áustria, país que na perspectiva atual não parece
especialmente surpreendente como mercado para investir, mas na época era. A
Bolsa austríaca estava paralisada na metade do nível que tinha vinte anos antes.
Os mercados de títulos europeus estavam muito atrasados se comparados aos dos
Estados Unidos e um bom número de países tinha cometido equívocos de tal ordem
que espantaram potenciais investidores de forma permanente. Mas o olhar
visionário percebia claros sintomas de mudança.
A França, após o desastre provocado por
François Mittérand ao estatizar o sistema financeiro, tinha aprovado medidas
para dar vida a seus anêmicos mercado de capitais. Outros países europeus
tinham feito o mesmo e era evidente que a Áustria estava na mesma linha. Rogers
tentou averiguar na sucursal nova-iorquina de um banco austríaco se era
possível para um estrangeiro comprar ações naquele país: responderam que não
tinham a menor idéia. Teve que viajar para Viena e se inteirar do assunto. Ali
perguntou ao Ministério das Finanças quais partidos políticos ou correntes
sociais importantes se opunham à liberalização dos mercados de capitais. Nenhuma,
disseram. Boa notícia.
Uma olhada por cima do índice Morgan Stanley,
relativo à Bolsa vienense, indicou que as empresas estavam sobrevalorizadas,
pois cotavam, em média, a sessenta e sete vezes seus lucros: um absurdo que
significava que, se a empresa ganhava 10, a ação custava 670. O que mostrava
que recuperar o dinheiro demoraria sessenta e sete anos, se os lucros
continuassem iguais no futuro. Mas uma investigação mais cuidadosa mostrou que
o dado enganava, pois o índice estava baseado apenas em nove companhias, que,
efetivamente, estavam sobrevalorizadas e deixava de fora um bom número de
empresas exitosas menos conhecidas e, portanto, menos cobiçadas pelos
especuladores.
O Morgan Stanley comunicou que essas ações
eram pouco líquidas, isto é, que o volume negociado na Bolsa era pequeno e que,
então, ficava difícil livrar-se delas depois de adquiri-las. Mas Rogers logo
soube que isso também não era verdade, pois havia um mercado de compra e venda
muito ativo fora da bolsa, impulsionado pelos bancos que negociavam entre
si. “Que se dane o Morgan Stanley”,
sentenciou Rogers, que não é homem dado a muitos rodeios retóricos. Comprou
ações. No ano seguinte, o índice Creditanstalt na Bolsa Austríaca subiu 145%.
Entre as ganhadoras desse ano maravilhoso estavam as ações de Rogers. Essa não
foi nem a primeira e nem a última vez que ele riu por último e melhor. Tinha
entrado no momento preciso, quando todos menosprezavam a Bolsa Austríaca.
Apesar de gostar de embrenhar-se em países
que não são levados em consideração por nenhum outro investidor estrangeiro,
Rogers também atua naqueles que estão na moda e, portanto, onde a bolsa está
subavaliada para vender “a descoberto” (short sale), o que julga estar com um
preço injustificadamente caro (muitos investidores da escola de valor preferem
evitar vendas “a descoberto”, ou seja, apostar na queda de uma ação
supervalorizada, o que representa mais risco, e se conformam em fazer o
contrário).
No mesmo ano em que comprou ações na Áustria,
identificou na Suécia uma oportunidade de investimento por meio da venda “a
descoberto”: a cotação geral da Bolsa desse país tinha se multiplicado por seis
em apenas quatro anos, um sinal claro de irracionalidade. Rogers também alertou
para o fato de algumas ações estarem muito mais caras do que outras. Investiu,
apostando na queda. Durante o ano seguinte, o índice da bolsa caiu 10%,
confirmando sua percepção a respeito dos preços excessivos da Bolsa Sueca. Mas
as ações que ele tinha vendido “a descoberto” – Ericsson, ASEA, Pharmacia,
entre outras – caíram ainda mais: desabaram entre 40% e 60%, trazendo para ele
lucros enormes.
Em 1985, o radar de Rogers apontou para a
Península Malaia. Cingapura tinha uma taxa de poupança de 42%, a maior do
mundo, e a reforma da previdência feita por Lee Kuan Yew exigia que
empregadores e trabalhadores colocassem dinheiro em um fundo de aposentadoria e
que parte desse dinheiro fosse investida nas principais companhias do país.
Esta determinação e a redução de impostos
sobre o ganho de capital dispararam a demanda de ações da bolsa. Mas a economia
não atravessava um bom momento, de modo que com a quebra do conglomerado Pan
Electric, que tinha subsidiárias em Hong Kong, Malásia, Brunei, entre outros
locais, ordenou-se o fechamento da bolsa. Rogers, que tinha bons amigos ali,
disse às autoridades de Cingapura e da Malásia que isso era um grande erro.
Quando finalmente a bolsa reabriu, as ações caíram rapidamente, em vários casos
perdendo um quarto da cotação.
Era o momento perfeito para um “value investor” consumado capaz de
entender que a queda era desproporcional para empresas tão sólidas em uma
economia cujos fundamentos, independentemente do momento difícil pelo qual
passava, eram saudáveis. Além disso, estava proibida a entrada de novas
companhias na bolsa, o que garantia uma oferta limitada de ações em um país
onde, por lei, era obrigatória a compra de títulos financeiros. Rogers comprou
as ações menos valorizadas e em dezoito meses, sua carteira asiática dobrou de
valor.
Na década de 1990, continuou percorrendo o
mundo em busca de situações parecidas às descritas anteriormente. Investiu em
lugares como Botswana, Moçambique, Peru e Gana, onde comprou companhias
vinculadas ao ouro e ao cacau. A idéia era sempre a mesma: ser o primeiro da
fila, no mesmo instante em que o país se abrisse para os capitais e o
investimento. Isso garantiria que, quando outros compradores investissem ali
(incluídos os locais), as cotações subiriam, beneficiando ao valente que
tivesse entrado primeiro.
Além disso, Rogers sabia que os governos que
abriam uma portinha aos capitais logo liberavam as condições de investimento e
privatizavam os fundos de pensão, ainda que parcialmente. Esse dinheiro não
tinha muitos destinos possíveis. Sendo assim, quase sempre acabava canalizado
total ou parcialmente para a bolsa local, forçando uma subida dos preços. O que
já estivesse ali – e Rogers se especializou em chegar na hora ou antes – só podia
ganhar. A prova definitiva para animar-se a investir em um país em vias de
desenvolvimento era simples: “Moeda conversível e liquidez para poder sair caso
tivesse se equivocado”. Também era útil observar o mercado negro dos países: se
fosse grande, queria dizer que os controles eram asfixiantes e não era
aconselhável entrar até que as autoridades mudassem de modelo.
Boa parte dos investimentos de Rogers dessa
década nasceu de uma grande aventura: a volta ao mundo em uma motocicleta.
Cumprindo outra vez a promessa que tinha feito ao deixar o Quantum Fund, Rogers
tinha decidido percorrer o mundo para vê-lo, tocá-lo e conhecê-lo inteiramente.
Motociclista convicto, tinha chegado à conclusão de que fazer o percurso com a
moto seria a melhor forma de travar contato com os países – com seus problemas
e habitantes – e conhecê-los profundamente.
Em 25 de março de 1990, iniciou uma viagem de
dois anos e mais de 104 mil quilômetros ao redor do globo. Cruzou toda a Europa
e a Ásia, até chegar a Tóquio; voltou para Amsterdã saindo da Sibéria;
dirigiu-se de imediato para a África e a cruzou inteira até chegar à Cidade do
Cabo; voou para a Austrália e atravessou o país de proporções continentais de
cabo a rabo; voou para Cabo Cuernos, na ponta da América do Sul, e viajou em
direção ao norte, cruzando todo hemisfério até chegar ao Alaska; finalmente
desceu até San Francisco, onde voou de volta para Nova York.
Em seu livro Investment Biker, uma jóia sobre
viagem de aventuras e finanças, descreve o que sentiu quando entrou em um
conselho de administração (o que em certos países latino-americanos se conhece
como diretoria) após dois anos. “Faz tempo que não te vejo”, comentou um
integrante do conselho, “O que tem feito?”. Rogers respondeu: “Acabo de dar a
volta ao mundo em uma moto”. O interlocutor sorriu despreocupado e disse: “Ah,
que bom”. Segundo Rogers, impressionar um Nova Yorkino não é fácil.
A paixão de Rogers pelo fenômeno chinês
provavelmente nasceu nessa viagem. Enquanto a Rússia lhe pareceu um caos étnico
com forte tendência a sair do eixo, a China o impressionou, pois viu nesse país
a possibilidade de que, se eventualmente se dividisse em diferentes unidades,
estas seriam compactas e homogêneas. Comprovou também que os emigrantes chineses
que dispunham de muito capital e tinham décadas de conhecimentos vitais e
técnicos a respeito do mundo capitalista, estavam se transformando em um fator
central da decolagem: a China os recebia de braços abertos. A capacidade de
poupança, de trabalho e de buscar as metas com disciplina parecia apontar para
um desenvolvimento seguro que acarretaria mudanças políticas também. Pouco
depois, Rogers registraria sua visão da China – para ele, a grande potência
econômica do século 21 – em seu fascinante livro “A Bull in China”.
Como outros perceberiam bem mais tarde, ele
viu em Botswana uma promessa atraente. Depois de meses lidando com uma
labiríntica e irritante burocracia africana – imagine o que deve ter sido para
esse gringo cruzar o continente em uma moto desafiando guerras, ditaduras e
conflitos de tribos -, encontrou nesse país do sul da África algo muito
diferente. O ambiente receptivo e hospitaleiro do lugar o surpreendeu. Bastou
que cruzasse a fronteira para se dar conta de certas coisas: entre elas, de que
havia menos regulamentação e entraves que o restante do continente. Notou no
país certa prosperidade: construção, parque automobilístico dinâmico e um espírito
empreendedor à flor da pele. Ficou sabendo que havia uma bolsa nova e que o
governo e a oposição tinham conseguido chegar a um consenso sobre o nascente
mercado de capitais. Viu que os preços eram baixos comparados com os dividendos
que as empresas pagavam a seus donos, o que indicava bom lucro. Vislumbrou uma
economia que se beneficiaria da proximidade com a África do Sul, o motor da
África. Portanto, decidiu, antes de partir, investir algum dinheiro ali.
Na América Latina, notou que havia esperança:
os controles de câmbio tinham sido eliminados total ou parcialmente. Notava-se
uma maior hospitalidade para os capitais e um processo de privatização que
acabaria dinamizando as empresas e, portanto, o mercado de capitais. Mas em
muitos lugares ainda havia lentidão, falta de consenso político e certa
oposição que ameaçava reverter os avanços até então conquistados. Na maioria
dos países latino-americanos, foi bem mais prudente, optando por esperar que as
coisas estivessem mais claras.
Rogers repetiu a volta ao mundo em 1999, mas
desta vez em um Mercedes especialmente climatizado, com o qual fez
aproximadamente 160 mil quilômetros. Levou um pouco mais de tempo do que a vez
anterior. A viagem, que fez com sua companheira Paige Parker, vinte e seis anos
mais nova que ele e com quem mais tarde se casou, durou quase três anos e
começou na Islândia. As possibilidades de investimento, em um mundo que tinha
sido globalizado, eram maiores do que na década anterior. Não surpreenderá
ninguém saber que o nome do viajante financeiro Jim Rogers foi eternizado no
Guinness Book of World Records.
Basicamente, a estratégia de Rogers nos
Estados Unidos é parecida com a que emprega no exterior, só que em vez de
enfocar países, mira nas indústrias. Seu método consiste em desenvolver o que
ele chama de um “esmagador conceito de investimento”, baseado em “mudanças que
não tenham sido descobertas pelos demais”. Essas mudanças estão mais ligadas às
tendências “seculares” do que aos ciclos econômicos – isto é, o pêndulo entre o
auge e a recessão. Gosta de identificar aquilo que se sairá bem em médio e
longo prazos com base em uma dinâmica muito anterior que poucos notaram,
especialmente quando a economia está em baixa e ninguém está interessado em
setores com sucesso potencial.
Foi o caso, por exemplo, do petróleo na
década de 1970, época de recessão econômica. No entanto, as tendências
seculares de que falam Rogers trouxeram prosperidade para essa industria que,
de certa forma, tem continuado próspera até hoje. E quando percebe que um setor
tem crescimento potencial, busca empresas aparentemente em más condições. Se uma
companhia está quebrada, mas não fechada, não deve ficar assim para sempre,
desde que o setor esteja impulsionado por tendências evidentes que Wall Street,
com sua pressa gananciosa, demorará a notar.
Rogers, tem feito fortunas detectando a tempo
certas tendências sociais. Por exemplo, quando nos anos de 1970 as mulheres
começavam a abandonar a maquiagem excessiva dos anos anteriores, analisou a
empresa Avon Products e se deu conta de que era absurdo que estivesse cotada a
setenta vezes os benefícios, uma sobrevalorização grosseira. Vendeu a ação “a
descoberto” por US$ 135, apostando que o preço cairia e no ano seguinte obteve
volumosos rendimentos quando,
efetivamente, as ações desabaram para US$ 25.
Em 1969, percebeu, ao assistir a uma
convenção sobre lixo – que outro investidor dedicaria tempo à semelhante reunião?
-, que estava surgindo uma nova concorrência para o duopólio que dominava o
negócio, município e máfias. Os delegados, alguns dos quais eram o tipo de
indivíduo que é preferível não encontrar em uma rua escura, olhavam para ele
embasbacados com a presença de um homem de finanças.
Outro exemplo: se na década de 1950 a palavra
“motocicleta” era sinônimo de classe social baixa, na de 1960 as coisas mudaram
tanto que a Honda se deu ao luxo de fazer uma publicidade com o slogan: “Conheça
as pessoas mais interessantes em um Honda”. Comprar ações a tempo de se
beneficiar da mudança de tendência no status social das motos trouxe a Rogers
excelentes ganhos. Em outro momento, observou que os hotéis deixavam de ser
negócios independentes e começavam a surgir conglomerados que os concentravam
em entidades maiores. O investimento de Rogers nesse ramo rendeu lucros
estupendos.
Outra tendência secular que Rogers já leva
tempos tirando proveito: os governos sempre tentaram resolver seus problemas
dando dinheiro a torto e a direito. Em 1974, tornou-se o maior investidor
externo da Lockheed quando correu um forte rumor de que a companhia quebraria.
Ele tinha visto, durante a guerra árabe-israelense de 1973, qua a força aérea
egípcia havia tido bastante êxito contra Israel, ainda que o Estado Hebreu
tivesse melhores aviões e pilotos. Pesquisou e descobriu que os egípcios
possuíam aparatos eletrônicos soviéticos que os norte-americanos não puderam
fornecer para Israel, pois não tinham desenvolvido tal tecnologia. O motivo?
Durante a guerra do Vietnã, os EUA se concentraram nos provimentos do dia a dia
e não no desenvolvimento tecnológico de longo alcance. Era presumível que,
frente à vantagem soviética posta em evidência pela guerra árabe-israelense, os
Estados Unidos buscassem atualização em matéria de defesa eletrônica. A
Lockheed contava com certa tecnologia que de saída já lhe dava uma vantagem.
As ações da Lockheed eram vendidas tão
baratas por causa dos rumores de quebra, e era lógico pensar que a recuperação
estava a um passo que Rogers comprou ações de maneira massiva. A análise
revelou-se certeira: as ações subiram de US$ 2 para US$ 120. Apostar na
Lockheed não quer dizer que ele desdenhasse do restante do setor. Tratou de
descobrir quem era o maior concorrente da Lockheed, disseram que era a
E-systems, uma companhia muito pouco conhecida. Depois de estudá-la,
compreendeu que se beneficiaria também com a decisão do governo de investir em
tecnologia defensiva e a julgou subavaliada. As ações que comprou subiram de
US$ 0,50 para nada menos que US$ 45.
Nada disso era resultado de rápidas e
superficiais análises da conjuntura ou de relatórios de curto prazo de
corretores da bolsa, ansiosos para vender produtos financeiros a investidores
ingênuos. Rogers lia quarenta jornais e revistas dos mais variados tipos, além
das publicações da entidades setoriais. Era preferível fazer pessoalmente sua
própria pesquisa a se deixar levar pelo frenesi cotidiano da bolsa, incluindo
os analistas das grandes firmas de investidores, sempre atentos ao aqui-agora e
alheios aos fundamentos.
Sua obsessão por nadar contra a corrente era
tal que, quando notava que os formandos das universidades se empenhavam muito
para conseguir trabalhar em determinado setor, decidia que era hora de apostar
contra ele: esse dado sugeria que essa indústria estava altamente
sobreavaliada. Quando se deu conta de que a grande ilusão dos graduados da
escola de negócios de Harvard era trabalhar na Atari, a empresa que fazia
videogames, colocou-a em sua lista, julgando-a candidata ao desastre.
Efetivamente, três anos mais tarde ela caiu em ruínas.
Ainda que Rogers observe os balanços
patrimoniais e os lucros, os primeiros são especialmente importantes para ele.
A razão, no seu caso, é que gosta das empresas quebradas, ou à beira da
falência, que tenham perspectivas de recuperação. Se a depreciação, que nos
balanços figura como um custo que vai, ao longo de vários anos, amortizando o
investimento da empresa em plantas e equipamentos, dissimula importantes fluxos
de caixa que a empresa está gerando, pode ser sintoma de que essa companhia
sobreviverá à crise que atravessa.
Por que? Porque o montante que figura como
despesa sob conceito de “depreciação” não é uma despesa atual, mas sim uma
anterior que simplesmente, para efeitos da contabilidade, foi dividida em
vários anos, incluído o que está em curso. Portanto, pode ter ficado dinheiro
importante no caixa que o lucro líquido, onde a depreciação tem impacto já que
infla os custos, está ocultando.
Mesmo assim, Rogers observa atentamente as
despesas de capital, isto é, os investimentos que a empresa faz. Quando o total
de investimentos de capital (que inclui manutenção e expansão) é muito superior
à depreciação, quer dizer que pode ter um excesso de despesa de capital e,
portanto, que a indústria tem investido mais do que a demanda permitirá
sustentar no futuro próximo. Em outras palavras, pode significar que o período
de auge esteja chegando ao fim.
Quando acontece o contrário, isto é, a
indústria não está gastando muito em investimento de capital, é sinal de boas
notícias: a baixa oferta de bens ou serviços produzidos por ela como resultado
da queda de seus investimentos de capital implicará incapacidade para
satisfazer a demanda e, portanto, em aumento de preços. O que trará novos
investimentos estimulados pela perspectiva de aproveitar essa demanda
insatisfeita no futuro. Ou seja: pode ser o começo de um período de auge.
Se recentemente você viu Rogers sendo
entrevistado pela Bloomberg ou pela CNBC ou leu declarações suas em alguma
publicação financeira – com sua indispensável gravata borboleta, bondade
enganadora e declarações incendiárias -, seguramente o ouviu falar de produtos
básicos, as célebres commodities (produtos básicos ou matérias-primas). Ele vem
acompanhando-as há décadas e está convencido de que o ciclo de ascensão da
agricultura, dos metais e dos minerais vai perdurar um bom tempo ainda.
Há pouco tempo, criou seus próprios índices
(o mais conhecido é o Rogers Internacional Commodity Index) e hoje é possível
ter participação em fundos de investimento que acompanham o preço dos produtos
neles incluídos. É uma forma de comprar produtos agrícolas, minerais e metais
sem ter que estudar ou adquirir ações de cada empresa.
Os índices de Rogers atribuem um peso aos
produtos em função de sua avaliação do que as tendências em médio e longo prazo
acarretarão para cada um. Acredita que os outros índices, por meio dos quais é
possível investir em uma cesta de Commodities, não distribuem de maneira
adequada os pesos entre os diferentes produtos nem em função das grandes
tendências. Em 2011, Rogers consolidou um novo índice através do BBVA, na
Espanha.
Seu entusiasmo – nascido da análise da
relação entre as forças universais da oferta e da procura, hoje altamente
influenciadas pelo aumento em massa da classe média na China, na Índia e no
Brasil, a escassez de terras disponíveis e ausência de novas descobertas de
minérios – manifesta-se em produtos como o suco de laranja, o azeite, a batata,
o açúcar, o ouro, a prata, a soja, o milho, entre outros. Em certos momentos, Rogers compra assento nas
bolsas onde se negociam produtos agrícolas para ganhar dinheiro cobrando um
benefício pela intensa atividade investidora. Fez isso, por exemplo, na do açúcar.
Não é raro vê-lo na televisão recomendando ao
público a compra de terra cultivável, ainda que, segundo sua explicação, seja
muito difícil consegui-las, já que não estão tão baratas nos EUA ou porque o
investidor médio não tem conhecimento da situação em outros países. Ele mesmo
se vinculou como assessor e investidor a dois fundos de investimento, o
Agcapita e o Agrifirma, que oferecem a certos tipos de investidores condições
para participar do negócio da terra cultivável sem comprá-la diretamente. Em todo
caso, Rogers prevê uma era de alta inflação na qual a agricultura e os metais
constituirão uma férrea proteção contra o envelhecimento da moeda, bem como uma
longa era de oferta insuficiente para uma demanda que cresce com a ascensão das
classes médias nas potências emergentes.
Seu livro Hot
Commodities: Investing Profitably in the World’s Great Markets explica em detalhes as grandes
tendências: “O poder está virando outra vez dos centros financeiros para os
produtores de coisas reais”, afirma. Vem daí a grande promessa dos produtos
primários para os próximos anos. “Aqueles que desfilarão de Mercedes, abraçados
com uma garota estonteante e carregando um charuto na boca”, diz com freqüência,
“serão os agricultores, não os financistas”.
Antes de ter – com mais de sessenta anos –
duas filhas com sua jovem esposa, Rogers tinha decidido deixar muito dinheiro
para as universidades de Yale e Oxford, a fim de criar uma bolsa por meio da
qual os estudantes receberiam uma ajuda generosa desde que se comprometessem a
passar 75% dos dois anos seguintes fora de seu país. A recomendação para eles,
se quisessem ser investidores, seria não estudar nas escolas de negócios e ao
invés disso optar por matérias como História, Filosofia e Literatura. Também
deveriam passar um tempo fazendo autostop
ou trabalhando de garçom para aprender como funciona o mundo real. Mas os
planos mudaram com o nascimento de suas filhas. Rogers ficou bobo como se fosse
avô e escolheu fazer delas sua grande prioridade. Decidiu que ele e sua recente
família deviam viver em um ambiente chinês e que suas filhas deviam ser criadas
em mandarim tanto ou mais do que em inglês.
Nesse momento, as características do regime
chinês não aconselhavam que se instalassem na China (ele acredita que a
abertura econômica levará a abertura política, como aconteceu em Taiwan e na
Coréia do Sul), mas tinha uma maneira indireta de conseguir isso: encontrar um
país onde a população de origem chinesa, os canais de comunicação com a china e
as garantias jurídicas permitissem experimentar o fenômeno asiático sem estar
fisicamente naquele país de forma permanente. Por isso, em dezembro de 2007,
Rogers vendeu sua mansão nova-iorquina por cerca de US$ 16 milhões e se
instalou em Cingapura, de onde viaja por toda Ásia dando conferências sobre
suas convicções financeiras e o futuro deste continente.
“Se você fosse inteligente em 1807, mudaria
para Londres; se fosse inteligente em 1909, mudaria para Nova York; se é
inteligente em 2007, mude para a Ásia”, sentenciou ao mudar-se para Cingapura.